São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Pelo menos 44 funcionários ficaram feridos no motim, que só acabou após intervenção da PM

Febem enfrenta 1ª rebelião na gestão Lembo

SIMONE HARNIK
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Febem Tatuapé, a maior do Estado e cuja desativação se arrasta por anos, enfrentou a primeira rebelião da gestão Cláudio Lembo (PFL). O motim -iniciado na noite de terça e que só foi controlado com a ação da Tropa de Choque da Polícia Militar às 16h30 de ontem- deixou feridos 44 funcionários e 18 adolescentes.
Os prejuízos causados pela destruição ainda não foram contabilizados. Cerca de 40 funcionários foram mantidos reféns. Um deles, que tentou escapar dos rebelados, foi operado após ter fraturado o tornozelo ao pular do telhado de uma das unidades.
A rebelião atingiu 7 das 16 unidades em que, até ontem, estavam 1.228 adolescentes. Mesmo após várias unidades terem sido destruídas, nenhum deles havia sido transferido do local.
A Febem afirma que os internos se rebelaram "em solidariedade" a um grupo que estava de castigo (isolados) após tentativa frustrada de fuga. Os rebelados, ainda de acordo com a Febem, exigiram a demissão de um dos diretores. Já as entidades de direitos humanos afirmam que o motim foi conseqüência de agressões recentes.
Durante a madrugada, os internos derrubaram muros, quebraram grades e atearam fogo nos colchões. A unidade 23, uma das menores do complexo, ficou totalmente destruída. "Lá [na 23] ficou tudo queimado, tivemos de entrar e vimos tudo quente e alagado depois que o fogo foi apagado. Perdemos todo o trabalho que fazemos ali", conta uma funcionária, que não quer se identificar.
Horas depois, houve novo tumulto no complexo. Um grupo de internos ateou fogo em colchões e quebrou mais telhas, usadas para atingir funcionários. De acordo com a Febem, três funcionários foram feridos.

Demolição simbólica
O motim ocorreu uma semana após a demolição de parte de uma das unidades do complexo -que contou com a presença do ex-governador e presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB).
No entanto, funcionários afirmam que os adolescentes não estão sendo retirados do local, apenas remanejados dentro das unidades, que, até então, separavam os adolescentes por níveis de periculosidade e reincidência. "A gente esperava que essa rebelião fosse acontecer a qualquer momento. Estão tirando jovens do circuito médio e colocando no grave", disse uma funcionária da unidade 14, que preferiu não se identificar.
A rebelião começou por volta das 22h de terça-feira e atingiu todo o circuito grave (menores reincidentes, infratores de 18 a 20 anos e delitos graves).
A assessoria da Febem afirma que a presidente da entidade, Berenice Gianella, pediu ao secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, que a Tropa de Choque fosse acionada para conter os internos.
Segundo a Febem, a PM só entrou porque não havia mais como negociar com os rebelados, que já estavam com os reféns há cerca de dez horas. Mais de 200 homens, incluindo a cavalaria, entraram no complexo. Helicópteros da polícia também foram ao local. De acordo com a PM, 576 dos 1.228 jovens do complexo se rebelaram.

Refém
Uma funcionária que foi mantida refém por quase 12 horas diz que a rebelião foi, na realidade, um protesto. "O que aconteceu foi que os meninos se reuniram para fazer um protesto para libertar outros que estavam em tranca [quando há um castigo por tempo indeterminado]". Ela diz, apesar de toda a violência, que não se machucou. "Fiquei sentada num canto da unidade." Ela afirma que não desistirá do trabalho. "Acho que dá para voltar, sim", disse ainda no pronto-socorro.
Conceição Paganele, presidente da Amar (associação de familiares de internos), afirma que a rebelião foi uma resposta às agressões. "Os jovens subiram ao telhado para pedir providências contra os maus-tratos", disse.
Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, afirma que, durante visita recente às unidades, alguns internos das unidades 14, 17 e 19 apresentam marcas de espancamento.
O Ministério Público informou ontem que pedirá a realização de exames de corpo de delito em todos os adolescentes e funcionários envolvidos na rebelião. Imagens exibidas pela TV Record mostraram PMs agredindo jovens já rendidos. A Secretaria da Segurança Pública não quis comentar o assunto.
Durante revista, a PM encontrou naifas (facas artesanais) e celulares usados pelos internos.


Colaboraram RACHEL AÑÓN, da Agência Folha, e LUÍSA BRITO, da Reportagem Local

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