São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

O horror da morte do filho

FRANCISCO DAUDT
COLUNISTA DA REVISTA DA FOLHA

QUANDO meus filhos nasceram, um terror sem nome se alojou no fundo do meu cérebro: eles podiam morrer. Claro, sem ser o único motivo, eu cuidava o tempo todo para que isso não acontecesse. Sou médico e homem de tomar providências, mas, quando minha filha Patrícia teve seu tendão de Aquiles lesionado por ter caído de uma mesa de vidro, eu sabia que meu desespero estava sendo ocultado pelo fato de eu estar no comando da situação. Ela estava em sofrimento, mas eu podia fazer alguma coisa.
A impotência é outro assunto. Uma cliente, com o filho tomado por uma leucemia devastadora, ao mesmo tempo que rezava, perguntava-se: "Por que Deus está fazendo isto com meu filho?", e o amaldiçoava ao mesmo tempo. Ele era o culpado.
Quem toca em nossos filhos desperta em nós os instintos de ódio mais primitivos, tão ligados àquele terror eles estão. "Mexeu com meu filho." Todos sabemos o que é isto.
Nas situações em que a fatalidade, o acaso, o destino nos rouba os filhos, mesmo nelas, queremos ver um nexo, descobrir uma relação de causa-efeito, buscamos um culpado em quem nos vingar, ainda que pensemos que o culpado somos nós ("e se eu..."), quando a depressão resultante é avassaladora. Assim é a natureza humana, que nos dá a ilusão de que temos controle sobre algo.
O caso Isabella está produzindo uma enorme comoção. Pessoas prejulgando, com desejos de linchar, de matar aqueles que "poderiam ser os culpados", de personalizar a culpa antes mesmo que ela seja estabelecida pela Justiça. Não me surpreende. Vejo algo assim em mim mesmo, a despeito de minha racionalidade.
Quanto mais as pessoas acreditam na Justiça, tanto menos elas querem tomá-la em suas mãos.


Texto Anterior: Depoimento: A sociedade do espetáculo
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.