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ARTIGO
O horror da morte do filho
FRANCISCO DAUDT
COLUNISTA DA REVISTA DA FOLHA
QUANDO meus filhos
nasceram, um terror
sem nome se alojou no
fundo do meu cérebro: eles podiam morrer. Claro, sem ser o
único motivo, eu cuidava o
tempo todo para que isso não
acontecesse. Sou médico e homem de tomar providências,
mas, quando minha filha Patrícia teve seu tendão de Aquiles
lesionado por ter caído de uma
mesa de vidro, eu sabia que
meu desespero estava sendo
ocultado pelo fato de eu estar
no comando da situação. Ela
estava em sofrimento, mas eu
podia fazer alguma coisa.
A impotência é outro assunto. Uma cliente, com o filho tomado por uma leucemia devastadora, ao mesmo tempo que
rezava, perguntava-se: "Por
que Deus está fazendo isto com
meu filho?", e o amaldiçoava ao
mesmo tempo. Ele era o culpado.
Quem toca em nossos filhos
desperta em nós os instintos de
ódio mais primitivos, tão ligados àquele terror eles estão.
"Mexeu com meu filho." Todos
sabemos o que é isto.
Nas situações em que a fatalidade, o acaso, o destino nos
rouba os filhos, mesmo nelas,
queremos ver um nexo, descobrir uma relação de causa-efeito, buscamos um culpado em
quem nos vingar, ainda que
pensemos que o culpado somos
nós ("e se eu..."), quando a depressão resultante é avassaladora. Assim é a natureza humana, que nos dá a ilusão de que
temos controle sobre algo.
O caso Isabella está produzindo uma enorme comoção.
Pessoas prejulgando, com desejos de linchar, de matar aqueles que "poderiam ser os culpados", de personalizar a culpa
antes mesmo que ela seja estabelecida pela Justiça. Não me
surpreende. Vejo algo assim em
mim mesmo, a despeito de minha racionalidade.
Quanto mais as pessoas acreditam na Justiça, tanto menos
elas querem tomá-la em suas
mãos.
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