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"Indústria do fogo" em favelas é investigada
Promotoria apura fraudes em incêndios, provocados para moradores receberem verba pública ou "furar a fila" em programas habitacionais
Documento registrado em
cartório apontou dias antes
qual seria a próxima favela a
ser incendiada; moradores
confirmam o esquema
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O incêndio na favela Rocinha
Paulistana (zona sul de SP),
ocorrido na noite de 5 de dezembro do ano passado, foi tão
pequeno que não chamou a
atenção nem mesmo dos helicópteros das emissoras de TV.
Pelo cadastro da prefeitura,
122 famílias moravam no espaço atingido -cerca de 400 m2.
Cada uma delas dividia, em tese, uma área de 6,5 m2, equivalente a de um Fusca (6,2 m2).
Isso considerando que todos os
barracos eram "sobradinhos" e
que em cada pavimento morasse uma família diferente.
Para o Ministério Público
Estadual e moradores ouvidos
pela Folha, é uma fraude: parte
das pessoas nunca morou ali e
o incêndio foi fabricado -o fogo só começou após os moradores terem sido avisados e retirado seus pertences. O objetivo, segundo as investigações,
era destruir a favela para receber dinheiro da prefeitura.
De 122 famílias, 119 receberam auxílio-aluguel de R$
1.800 -R$ 300 por seis meses-, num total de R$ 214 mil.
Esse caso não é, segundo
promotores, o único. Desde outubro, pelo menos seis incêndios ocorreram da mesma forma: ninguém se feriu ou perdeu objetos de valor.
No final do ano, a Folha recebeu informações sobre os incêndios forjados. Registrou em
cartório, no dia 17 de dezembro, que o fogo atingiria, de novo, a favela Rocinha Paulistana,
o que ocorreu em 14 de janeiro.
Aviso prévio
O novo incêndio era anunciado pelos próprios moradores.
"Dia de incêndio, eles avisam
até dentro dos ônibus", disse
uma moradora. "Eles passam
de manhã, e cada um vai repassando a notícia para o vizinho.
Todos deixam as coisas de valor
separadas", disse outra.
Além de ninguém se ferir, na
maioria dos casos, as famílias
conseguem retirar quase todos
os seus bens dos barracos, inclusive geladeira, sofá e fogão.
Nos seis incêndios investigados, todas as famílias dispensaram os albergues da prefeitura
porque disseram já ter lugar
para morar provisoriamente.
Funcionários do município que
atuam nas favelas dizem que as
equipes nem têm mais pressa
para prestar socorro porque sabem que não haverá vítimas.
Segundo eles, alguns moradores e líderes comunitários fabricam os incêndios para "furar" fila nos programas habitacionais da prefeitura e do Estado -o que também é apurado.
Líderes
A gestão do prefeito Gilberto
Kassab (DEM) diz que não cabe
a ela investigar incêndio em favela. Sobre a Rocinha Paulistana, afirma não ver irregularidade -sustenta ser possível, sim,
122 famílias morarem ali.
O promotor José Carlos
Freitas discorda. Para ele, essa
posição reforça a suspeita de
participação ou conivência de
funcionários da prefeitura na
fraude. "Está claro que não cabem tantas famílias ali", disse.
Esses incêndios, segundo
Promotoria e moradores, são
organizados por pessoas de
dentro e de fora da favela e quase sempre com a participação
de líderes comunitários -que
orientam o cadastro da prefeitura para os desabrigados.
Com essa "autoridade", podem incluir no cadastro quem
nunca morou ali, até pessoas de
fora do Estado. Moradores dizem que alguns cadastros são
feitos após o fogo. No incêndio
de dezembro na Rocinha Paulistana, dizem moradores, menos de 20 barracos foram queimados, mas no cadastro municipal, feito com a ajuda dos líderes comunitários, esses 20 barracos teriam subdivisões.
Para dar esse atestado, ainda
segundo os moradores, os líderes chegam a cobrar cerca de
20% do valor do cheque recebido pela família desabrigada.
Há casos, segundo a investigação, em que os próprios líderes usam CPFs de "laranjas" e
pagam por isso.
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