São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"Sugere que ficam" (ou "que fiquem"?)

Volta e meia, leitores me escolhem como árbitro, ou seja, incumbem-me de decidir quem ganha determinada aposta. Foi o que fizeram os gentis leitores Eduardo Célice, Roberto Lima e Rubens Silva. O motivo da aposta era a opção entre "visam" e "visem" ("...subsidiar ações que visam/visem sanar o problema").
Mais uma vez, a questão não envolve o conceito de "certo e errado", por isso digo logo que as duas formas são possíveis. O que decide o "embate" é o plano em que se quer (ou queira) pôr o processo expresso pelo verbo "visar".
A opção por "visam" (do presente do indicativo) coloca o processo no plano da certeza, da realidade (é tido ou dado como certo que as ações visam sanar o problema). A opção por "visem" (do presente do subjuntivo) põe o processo no plano da suposição, da hipótese, da dúvida.
Antes que alguém pergunte se é obrigatória a preposição "a" com o verbo "visar" (que, no caso, tem o sentido de "ter por fim ou objetivo"), é bom lembrar que não faltam nos dicionários citações de exemplos em que não se empregou a preposição. Não faltam, também, exemplos em que essa preposição foi empregada. Em suma, "que visem sanar" e "que visem a sanar" são construções que encontram registro na língua.
Recentemente, o vestibular da Unicamp abordou o problema do emprego do modo verbal (indicativo/subjuntivo) sob um aspecto deveras interessante. O enunciado da questão era este: "Em 28/ 11/2003, quando muito se noticiava sobre a reforma ministerial, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria intitulada "Lula sugere que Walfrido e Agnelo ficam". Considerando as relações entre as palavras que compõem o título da matéria, justifique o uso do verbo "ficar" no presente do indicativo".
E então? A solução do problema é semelhante à que discutimos no início deste texto? Não é, caro leitor. Estão em jogo sutilezas que não podem passar despercebidas. Uma delas diz respeito ao significado de "sugerir". Quando se diz algo como "Sugiro que você leia tal livro", o verbo "sugerir" significa "fazer uma sugestão", "propor", "aconselhar", "alvitrar".
É justamente aí que está o busílis. O fato de A sugerir a B que leia tal livro não garante que B o lerá. O ato de ler, portanto, é posto no plano da hipótese, da possibilidade, o que explica o emprego do modo subjuntivo ("que leia").
Se no título jornalístico destacado pela Unicamp a forma "ficam" fosse trocada por "fiquem", o verbo "sugerir" teria o sentido de "propor", "fazer sugestão". Com isso, dir-se-ia que o presidente propunha a permanência de Walfrido e Agnelo no ministério. A decisão de ficar não seria de Lula; seria de Walfrido e Agnelo.
No título efetivamente publicado, a flexão empregada é "ficam", o que muda tudo. O emprego dessa forma verbal (do presente do modo indicativo) dá ao verbo "sugerir" o significado de "dar indícios", "deixar vazar", "dar pistas", "dar sinais".
Não se pode esquecer que o sujeito da forma verbal "sugere" é "Lula", ou seja, o presidente da República, a quem a Constituição dá a prerrogativa de nomear e demitir a seu bel-prazer os integrantes do ministério. Com "sugere que ficam", acentua-se que a decisão de ficar não cabe a Walfrido e Agnelo; cabe a Lula. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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