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RELIGIÃO
Pastor que negociou o fim da rebelião na Casa de Custódia diz ser respeitado por traficantes no Rio
"A cocaína é o Demônio ralado, a
cerveja é a Pombajira em líquido"
Felipe Varanda/Folha Imagem
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O pastor Marcos Pereira da Silva, que diz ganhar celulares e carros de presente de seus amigos |
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
O pastor Marcos Pereira da Silva, 47, presidente da Assembléia
de Deus dos Últimos Dias, gaba-se de ter não apenas acesso aos
mais perigosos traficantes de drogas do Rio como o respeito da liderança do Comando Vermelho,
em que estão Luiz Fernando da
Costa, o Fernandinho Beira-Mar,
Márcio dos Santos Nepomuceno,
o Marcinho VP, e Elias Pereira da
Silva, o Elias Maluco.
Silva afirma ainda ter conseguido a conversão religiosa de traficantes do Terceiro Comando, facção inimiga do CV, entre os quais
cita Alberico Azevedo de Medeiros, o Derico, que dirige, em liberdade, o tráfico na favela do Acari.
O pastor diz que toca o coração
dos bandidos ao dizer que foi o
Diabo que os levou a cometer os
crimes e que podem mudar de vida se aceitarem Cristo. Para ele, o
Demônio é responsável por todos
os desvios de conduta do ser humano, do adultério e alcoolismo a
assassinatos, roubos, estupros,
tortura, tráfico e corrupção.
"A cocaína é o Demônio ralado.
A cerveja é a Pombajira [entidade
cultuada pelas religiões afro-brasileiras, companheira de Exu] em
líquido. Fumei até os 33 anos, mas
era o diabo que fumava pela minha boca. Consigo conscientizá-los [os traficantes] quando mostro que até o desejo desordenado
da carne é coisa do Demônio."
Antes de se tornar pastor, Pereira foi garçom e maître em casas
noturnas da zona sul do Rio. Filho
de motorista de caminhão, circula
em um Land Rover, segundo ele
doado por ""amigos", mas continua morando no mesmo quarteirão pobre onde nasceu, no Jardim
do Éden, em São João de Meriti,
na Baixada Fluminense.
A intervenção que pôs fim à rebelião na Casa de Custódia deu
notoriedade ao pastor, que passou os últimos dias ocupado em
dar entrevistas. Na quinta-feira,
ele recebeu a reportagem da Folha. Abaixo, os principais trechos
da conversa.
Folha - O sr. diz nos cultos que fumou maconha, que bebia e que até
levou um tiro na perna em uma briga antes de se tornar pastor. O que
o fez mudar de vida?
Marcos Pereira da Silva - Em
1989, o Diabo apareceu para mim
duas vezes, em minha casa e dentro do ônibus, quando eu ia para o
trabalho. Um garçom evangélico
que trabalhava comigo rezou, e o
Diabo se foi. Entrei em uma igreja
da Assembléia de Deus e encontrei a paz. Até então, eu achava os
crentes cafonas, chatos e feios.
Folha - Por que as mulheres em
sua igreja se vestem com túnica
larga até os pés, sem maquiagem e
sem qualquer adereço que destaque a feminilidade?
Pereira - Eu sigo a doutrina bíblica ao pé da letra. Nosso corpo é
o templo do Espírito Santo, e o
corpo da mulher é para o marido.
Elas não são obrigadas a vestir a
túnica, mas vestem por opção.
Sou mais exigente do que outras
denominações evangélicas porque quero que Deus opere. Quero
curas. Ver o paralítico andar, arrancar a arma do traficante, a cocaína do bandido. Somos peregrinos, acreditamos na vinda de Jesus, nos dons espirituais.
Folha - Os fiéis de sua igreja não
podem usar preto nem vermelho,
não podem ver TV, não comem carne de porco. Por quê?
Pereira - O vermelho é dominado pela Pombajira. No preto habitam as trevas. Não comemos carne de porco por ser um animal sujo. A TV é maléfica. As novelas
são mentiras, e não precisamos de
mentiras. Se você tira a TV, pode
ver os anjos, os arcanjos, os querubins e a glória de Deus.
Folha - O sr. usa um Land Rover e
há dois carros com o nome da igreja
no pátio. Ficou rico?
Pereira - Cerca de 80 pessoas
moram comigo e com a minha família no prédio da igreja, mas
umas 200 almoçam aqui todos os
dias. Temos um gasto mensal de
R$ 50 mil. Vivemos das doações,
dos CDs de música gospel e da
venda de doces em compota, que
os irmãos oferecem de porta em
porta nas favelas. Todo o dinheiro
que entra é gasto na igreja. Mas
recebo muitos presentes. Todo
ano ganho um carro no meu aniversário. Ganho ternos, relógios e
telefones celulares.
Folha - Quem dá esses presentes?
Pereira - Tenho muitos amigos.
Mais de 10 mil pessoas vêm aos
meus aniversários, e elas querem
me dar presentes.
Folha - O sr. já esteve com Fernandinho Beira-Mar? O que acha dele?
Pereira - Estive com ele no presídio Bangu 1. Orei por ele, e ele caiu
endemoniado no chão. Legiões de
demônios foram expulsos das galerias daquele presídio. O Fernando era motorista de caminhão, ficou desempregado, sem condição
de sobrevivência. Começou a fazer amizades e a trabalhar com
pessoas que traficavam. Os que
estavam acima dele morreram, e
ele ficou dono do movimento,
passou a fazer coisas terríveis por
falta de cultura, de religião e de
trabalho. Foi marginalizado pela
mídia, que diz muitas inverdades
sobre ele. É um homem manso e
está maravilhado com a igreja. Jesus liberta qualquer traficante.
Folha - Que outros criminosos o
sr. conheceu?
Pereira - Estive com o Ernaldo
Pires de Medeiros, o Uê, pouco
antes de ele ser morto em Bangu 1
[Uê foi assassinado em setembro
de 2002, durante motim liderado
por Beira-Mar]. Estive várias vezes com Elias Maluco, tanto na
rua quanto na cadeia.
Folha - Ele lhe contou por que matou o jornalista Tim Lopes?
Pereira - O Elias Maluco não matou o Tim Lopes. Foram pessoas
do comando dele, mas ele não estava na ação.
Então, para o senhor, os traficantes são pessoas boas?
Pereira - O que habita no homem é que faz o homem ser mau.
A cocaína é o Diabo ralado, a cerveja é a Pombajira em líquido. Fumei até os 33 anos. Era o diabo
que fumava pela minha boca.
Consigo conscientizá-los de que
até o desejo desordenado da carne é o Demônio.
Folha - Sua contribuição para o
fim da rebelião na Casa de Custódia
de Benfica lhe deu grande notoriedade. Quais são suas pretensões
daqui para frente? Pretende fazer
carreira política?
Pereira - Sou contra qualquer
crente ter cargo político, mas
apoio todos os políticos, porque a
autoridade, mesmo não sendo
evangélica, é instituída por Deus.
Os políticos não podem cumprir
os compromissos que assumem
sem recursos. A mentira começa
por aí, e a mentira não é de Deus.
Minha meta é continuar fazendo a obra de Deus. Não tenho pretensões monetárias de formar riqueza. Sendo conhecido ou não,
meu objetivo é só pregar.
Folha - Seu trânsito entre traficantes despertou suspeitas de que
a igreja seja usada para lavagem
de dinheiro do tráfico de drogas.
Pereira - Há especulações acerca
disso, mas não me envolvo com o
dinheiro do tráfico. As polícias
Militar e Civil já fizeram incursões
aqui e nada acharam. É natural
que pensem que sou do tráfico
porque entro nas favelas e nos
presídios. O correto é que façam
levantamento da minha vida. Não
sou contra isso, nem me assusto,
porque nunca peguei uma moeda
de traficantes. Se eu recebesse dinheiro de Marcinho VP, nunca
poderia entrar na favela do Acari,
que é área do Derico.
Folha - Como o sr. se comunica
com eles?
Pereira - Eu mando que eles deixem a boca-de-fumo, o cigarro, a
maconha, a cocaína, para ficar
com cara de homem. O verdadeiro macho não é o que dá tiro, nem
o que é traficante. O que faz a vontade de Deus é o macho. Não critico o traficante. Vou até ele para
arrancá-lo das trevas.
Folha - Mesmo tendo sido chamado para intermediar a rendição de
presos rebelados, o que só confirma a falência da política de segurança do Estado, o sr. se desdobra
em elogios à governadora Rosinha
Matheus e ao marido dela, o secretário de Segurança, Anthony Garotinho. Por que isso?
Pereira - Porque as autoridades
são constituição divina. A Bíblia
fala que quem resiste à autoridade
resiste à ordenação de Deus. Se ele
está sendo mau governante ou
não, quem o colocou lá foi Deus, e
quem sou eu para lutar contra as
ordens de Deus? No mundo, rege
o maligno. Não adianta reformar
a polícia, trocar de governo, fazer
reuniões internacionais. O mundo terá que se render a Cristo.
Folha - Então o sr. é contra qualquer contestação dentro ou fora
dos presídios?
Pereira - Sou contra baderna.
Deus é que tem o poder de julgar,
absolver, derrubar e levantar.
Folha - O mesmo vale para sua relação com os bandidos presos?
Pereira - Não mexo com os traficantes e com os estupradores.
Meu objetivo é resgatá-los.
Folha - Mas isso não elimina o tráfico. Se um traficante sai, outro toma o lugar dele.
Pereira - É natural. Jesus fala que
o ímpio brota como água.
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