São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Muito pior do que a roubalheira


Há um consenso de que o grande desperdício brasileiro é a falta de integração de ações


A política social de terceira geração, prometida na quinta-feira passada por Marina Silva, não é propriamente nova. Como é típico das campanhas eleitorais, também não foi dito de onde sairia o dinheiro para implantá-la. Mas, por enquanto, é a ideia mais viável da sucessão presidencial para reduzir a pobreza.
Será adotada, de alguma forma, por qualquer eleito. É um caminho absurdamente óbvio para evitar desperdício e obter mais eficiência. Dilma Rousseff e Serra apresentaram como prioridade implementar portas de saída para tirar o brasileiro da dependência do dinheiro fácil.

 


Inspirado no modelo chileno, o economista Ricardo Barros, assessor da candidata do PV e um dos maiores estudiosos brasileiros de questões sociais, propôs que todos os programas de redução da pobreza (federais, estaduais, municipais, envolvendo governo e comunidades) sejam integrados numa mesma base de dados.
Um batalhão de 375 mil agentes acompanharia as famílias mais pobres para saber que benefícios elas recebem e como poderiam aproveitar as ofertas existentes -e aí bastaria consultar o banco de dados.
Suponha-se que alguém receba uma bolsa em determinada cidade, onde exista um curso profissionalizante de pedreiro. O agente social o encaminharia para esse curso, capaz de facilitar a sua entrada no mercado de trabalho.
Óbvio, não? Quem acompanha a execução de políticas públicas, porém, sabe que implementar essa ideia é complicadíssimo.

 


Há um consenso entre técnicos de que o grande desperdício brasileiro é a falta de integração de ações.
Belo Horizonte desenvolve a integração das escolas municipais com seus bairros e demais equipamentos urbanos, o que vai dos centros de saúde às bibliotecas, passando por praças e parques. Universitários são chamados a atuar em espaços da cidade para ajudar os estudantes. Uma avaliação da Universidade Federal de Minas Gerais revelou que caíram os índices de faltas e de evasão, diminuiu a violência e melhoraram as notas. Professores informam que os alunos estão menos doentes.
No município de São Paulo, já se detecta uma evolução na vida dos alunos, que ocorreu graças à extensão do programa de saúde às escolas. Foram encaminhadas para tratamento crianças que não ouvem, que não enxergam direito ou que apresentam anemia pela falta de ferro. Esses três problemas atingem cerca de um terço dos alunos de escolas públicas.
Um programa federal (Mais Educação), criado na gestão Lula e aplicado em 400 cidades, busca juntar as diversas ações para ampliar o horário escolar. São usadas, por exemplo, as quadras esportivas dos quartéis e de clubes privados. Há uma diferença enorme entre a rede sugerida no plano e a implementada. Mesmo assim, começam a aparecer os primeiros resultados nas notas, além da redução da violência.

 


O governo de São Paulo, durante o mandato de Serra, queria expandir o ensino técnico, mas se deparou com a falta de prédios. Solução: foram ocupadas, principalmente à noite, as salas vagas das escolas estaduais. Bastou que duas secretarias se entendessem. A tendência natural é cada um ter seu programa e seus prédios.
Notem que estou falando aqui de projetos tocados pelo PSDB, pelo PT e pelo DEM, em que não se aumentam expressivamente os gastos, mas se articula melhor o que existe. Sua ampliação depende de que se desmontem feudos, esbarrando num labirinto de micropoderes, sem contar os jogos partidários e ideológicos.

 


Soluções tecnológicas existem e são razoavelmente fáceis de aplicar. É algo como se se montasse um Orkut ou um Facebook em que estariam os perfis e, em outro espaço, o mapa de ofertas possíveis para ajudá-los. Lembremos que o Facebook tem hoje 500 milhões de usuários. É muito mais do que os 15 milhões de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza.

 


Daí que é preciso brigar com o óbvio (e com o interesse público) para construir essas redes de combate ao desperdício.

PS- Vamos ter um enorme ganho de dinheiro no país no momento em que o contribuinte descobrir que muito pior, mas muito mesmo, do que a roubalheira é o desperdício. Por isso, obviedades como a proposta do economista Ricardo Barros demoram tanto a sair do papel.
gdimen@uol.com.br


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