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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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TRANSPORTE

Prefeitura criou fase de transição com exigências e remuneração não previstas em edital; para advogados, medida é ilegal

Licitação de ônibus teve regras alteradas

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo concluiu a licitação dos transportes com regras que não estavam previstas no edital original. Foi criada uma fase de transição com novos critérios de remuneração, o que elevou a receita de três dos oito consórcios de empresas de ônibus que explorarão os serviços -os demais tiveram redução.
Especialistas ouvidos pela Folha questionam a legalidade das modificações e afirmam que elas poderão pôr em xeque a validade da concessão. As alterações constam dos contratos assinados com as empresas, com prazo de dez anos e valor total de R$ 12,3 bilhões.
A fase de transição, que não tem data para acabar, também muda o critério de reajuste da remuneração das empresas e suspende cláusulas fixadas anteriormente.
A reorganização do sistema de transporte é um dos principais projetos da prefeita Marta Suplicy (PT), que deve se candidatar à reeleição em 2004.
A SPTrans (empresa órgão municipal que cuida do setor) nega que a elevação dos valores repassados a três dos consórcios signifique lucros maiores do que os estimados no edital. Diz que eles se justificam pela atual redistribuição das linhas (diferente da projetada na licitação) e que a elevação da receita acompanha a das despesas nessas áreas.
A SPTrans diz ainda que a quantia global dos contratos dos oito consórcios será, na transição, 7% inferior ao previsto no edital.
O texto original estabelecia, a partir da assinatura dos contratos, um pagamento máximo às empresas entre R$ 0,7114 e R$ 1,1465 para cada passageiro registrado nas catracas eletrônicas. Na transição, que não tem prazo para acabar, os valores variam de R$ 1,5626 a R$ 2,30 por usuário.
Essa alteração é justificada nos contratos sob a alegação de que "a rede de transporte coletivo prevista no edital ainda não pode ser implantada": os terminais de integração e a bilhetagem eletrônica estão em fase de implantação, impedindo que a remuneração "seja calculada e paga como foi previsto no edital".
No cenário estabelecido na licitação, os idosos também passariam pelas catracas eletrônicas e a média de baldeações seria maior (as estações de transferência permitiriam linhas mais curtas e mais transbordos). Isso resultaria em maior número de viagens registradas e pagas aos operadores.
Segundo cálculos feitos pela própria SPTrans, a pedido da Folha, os valores previstos na transição superam os da licitação em três áreas lideradas por viações dos empresários Belarmino Marta e José Ruas Vaz.
Na área 2 (Belarmino), a transição prevê receita de R$ 12,9 milhões mensais, 19,4% acima dos R$ 10,8 milhões fixados no edital. Na 5 (Ruas), serão R$ 9,6 milhões, valor 4,3% superior ao da licitação (R$ 9,2 milhões). Na 7 (Ruas), R$ 19,6 milhões, 56,9% acima do previsto (R$ 12,5 milhões).
Os grupos Ruas e Belarmino são os dois maiores de São Paulo e ganharam espaço com a licitação -juntos, controlam quase metade da frota paulistana. Ruas também participa, em parceria com outras empresas, de consórcios nas áreas 3 e 6 -que tiveram quedas de 3,5% e 20,4% de receita, respectivamente, na transição.

Outras mudanças
Na transição também fica suspensa a obrigatoriedade de a frota começar a operação com catracas eletrônicas -foram fixados novos prazos para os controles eletrônicos das passagens.
A cláusula que estabelecia uma fórmula de aumento anual da remuneração das empresas baseada em índices do IBGE e da Fundação Getúlio Vargas foi suspensa temporariamente -os reajustes dependerão de um estudo de reequilíbrio econômico-financeiro.
Os contratos não fixam data para o fim da regra de transição -indicam apenas que terminará quando estações de integração e bilhetagem eletrônica forem implantados. A prefeitura prevê essas melhorias para 2004, mas nada impede que o prazo se estenda.
O edital de licitação não previa regras de transição. A prefeitura diz que a medida é legal porque foi divulgado um esclarecimento cogitando essa possibilidade. Esse esclarecimento traz respostas a 25 questões de interessados na concorrência. Uma delas diz que poderá ser emitida uma "Ordem de Serviço Provisória" na "hipótese de o poder concedente constatar a inexistência das condições suficientes" para implantar o sistema.
O aviso da existência desse esclarecimento (e não a íntegra dele), sem explicar seu teor, foi publicado no "Diário Oficial" de 31 de janeiro, sexta-feira -a data marcada para a entrega das propostas era 3 de fevereiro, segunda-feira. O Tribunal de Contas do Município, porém, no mesmo dia 31, apontou ilegalidades que levaram à suspensão da concorrência -a entrega dos envelopes ocorreu somente em 28 de fevereiro.
"O esclarecimento serve para esclarecer, e não para modificar o edital. Essa transição é, claramente, uma alteração do edital. Ela configura a nulidade da licitação", diz Paulo Boselli, advogado que é autor de livros sobre licitações.
"Toda modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu no texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido na lei [mínimo de 30 dias para apresentar propostas]. Não foi dada ampla publicidade às alterações", diz Maria Isabel Calmon Gonzaga Abdala, especialista em direito administrativo.


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