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TRANSPORTE
Prefeitura criou fase de transição com exigências e remuneração não previstas em edital; para advogados, medida é ilegal
Licitação de ônibus teve regras alteradas
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Prefeitura de São Paulo concluiu a licitação dos transportes
com regras que não estavam previstas no edital original. Foi criada
uma fase de transição com novos
critérios de remuneração, o que
elevou a receita de três dos oito
consórcios de empresas de ônibus
que explorarão os serviços -os
demais tiveram redução.
Especialistas ouvidos pela Folha
questionam a legalidade das modificações e afirmam que elas poderão pôr em xeque a validade da
concessão. As alterações constam
dos contratos assinados com as
empresas, com prazo de dez anos
e valor total de R$ 12,3 bilhões.
A fase de transição, que não tem
data para acabar, também muda o
critério de reajuste da remuneração das empresas e suspende
cláusulas fixadas anteriormente.
A reorganização do sistema de
transporte é um dos principais
projetos da prefeita Marta Suplicy
(PT), que deve se candidatar à
reeleição em 2004.
A SPTrans (empresa órgão municipal que cuida do setor) nega
que a elevação dos valores repassados a três dos consórcios signifique lucros maiores do que os estimados no edital. Diz que eles se
justificam pela atual redistribuição das linhas (diferente da projetada na licitação) e que a elevação
da receita acompanha a das despesas nessas áreas.
A SPTrans diz ainda que a
quantia global dos contratos dos
oito consórcios será, na transição,
7% inferior ao previsto no edital.
O texto original estabelecia, a
partir da assinatura dos contratos,
um pagamento máximo às empresas entre R$ 0,7114 e R$ 1,1465
para cada passageiro registrado
nas catracas eletrônicas. Na transição, que não tem prazo para
acabar, os valores variam de R$
1,5626 a R$ 2,30 por usuário.
Essa alteração é justificada nos
contratos sob a alegação de que "a
rede de transporte coletivo prevista no edital ainda não pode ser
implantada": os terminais de integração e a bilhetagem eletrônica
estão em fase de implantação, impedindo que a remuneração "seja
calculada e paga como foi previsto no edital".
No cenário estabelecido na licitação, os idosos também passariam pelas catracas eletrônicas e a
média de baldeações seria maior
(as estações de transferência permitiriam linhas mais curtas e
mais transbordos). Isso resultaria
em maior número de viagens registradas e pagas aos operadores.
Segundo cálculos feitos pela
própria SPTrans, a pedido da Folha, os valores previstos na transição superam os da licitação em
três áreas lideradas por viações
dos empresários Belarmino Marta e José Ruas Vaz.
Na área 2 (Belarmino), a transição prevê receita de R$ 12,9 milhões mensais, 19,4% acima dos
R$ 10,8 milhões fixados no edital.
Na 5 (Ruas), serão R$ 9,6 milhões,
valor 4,3% superior ao da licitação (R$ 9,2 milhões). Na 7 (Ruas),
R$ 19,6 milhões, 56,9% acima do
previsto (R$ 12,5 milhões).
Os grupos Ruas e Belarmino são
os dois maiores de São Paulo e ganharam espaço com a licitação
-juntos, controlam quase metade da frota paulistana. Ruas também participa, em parceria com
outras empresas, de consórcios
nas áreas 3 e 6 -que tiveram quedas de 3,5% e 20,4% de receita,
respectivamente, na transição.
Outras mudanças
Na transição também fica suspensa a obrigatoriedade de a frota
começar a operação com catracas
eletrônicas -foram fixados novos prazos para os controles eletrônicos das passagens.
A cláusula que estabelecia uma
fórmula de aumento anual da remuneração das empresas baseada
em índices do IBGE e da Fundação Getúlio Vargas foi suspensa
temporariamente -os reajustes
dependerão de um estudo de reequilíbrio econômico-financeiro.
Os contratos não fixam data para o fim da regra de transição
-indicam apenas que terminará
quando estações de integração e
bilhetagem eletrônica forem implantados. A prefeitura prevê essas melhorias para 2004, mas nada impede que o prazo se estenda.
O edital de licitação não previa
regras de transição. A prefeitura
diz que a medida é legal porque
foi divulgado um esclarecimento
cogitando essa possibilidade. Esse
esclarecimento traz respostas a 25
questões de interessados na concorrência. Uma delas diz que poderá ser emitida uma "Ordem de
Serviço Provisória" na "hipótese
de o poder concedente constatar a
inexistência das condições suficientes" para implantar o sistema.
O aviso da existência desse esclarecimento (e não a íntegra dele), sem explicar seu teor, foi publicado no "Diário Oficial" de 31
de janeiro, sexta-feira -a data
marcada para a entrega das propostas era 3 de fevereiro, segunda-feira. O Tribunal de Contas do
Município, porém, no mesmo dia
31, apontou ilegalidades que levaram à suspensão da concorrência
-a entrega dos envelopes ocorreu somente em 28 de fevereiro.
"O esclarecimento serve para
esclarecer, e não para modificar o
edital. Essa transição é, claramente, uma alteração do edital. Ela
configura a nulidade da licitação",
diz Paulo Boselli, advogado que é
autor de livros sobre licitações.
"Toda modificação no edital
exige divulgação pela mesma forma que se deu no texto original,
reabrindo-se o prazo inicialmente
estabelecido na lei [mínimo de 30
dias para apresentar propostas].
Não foi dada ampla publicidade
às alterações", diz Maria Isabel
Calmon Gonzaga Abdala, especialista em direito administrativo.
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