São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2005

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SEGURANÇA DE GUERRA

Abrigos subterrâneos chegam a custar US$ 1 milhão e são procurados por banqueiros e empresários

Em SP, bunker vira recurso contra crime

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Adolf Hitler escapou de morrer nas mãos do Exército russo escondido em um grande bunker sob o solo de Berlim em 1945.
Hoje, o mesmo recurso usado na Segunda Guerra Mundial foi transferido para a defesa de quem tem muito dinheiro contra a guerrilha urbana que toma as metrópoles brasileiras -ou para dar vazão à histeria que ela provoca.
Hoje, o Brasil tem 102 bunkers perfurando seu solo, de acordo com uma pesquisa da RCI First -Security and Intelligence Advising, responsável pela construção de 64 dos esconderijos subterrâneos no país.
Só a cidade de São Paulo tem 63 bunkers construídos sob casas e empresas. A maioria deles fica no bairro do Morumbi (zona oeste), seguido de perto pelos Jardins.
"De todos os bunkers já feitos no país, apenas 30% eram realmente necessários. O resto é loucura", admite Ricardo Chilelli, 48, especialista em segurança privada da RCI. Segundo ele, os bunkers passaram a ser construídos no Brasil e na Colômbia a partir de 1999 e só crescem em demanda.
"O bunker foi importado para o Brasil por conta da violência urbana. Mas só tem função mesmo para pessoas com grande potencial de risco que freqüentam lugares ermos, como uma casa de praia isolada ou uma fazenda de difícil acesso, onde o socorro demoraria a chegar. Construir bunker no Morumbi é pura histeria. Mas, se me pedem, eu faço", diz ele, que tem entre seus clientes banqueiros e empresários.
De acordo com o tamanho e o grau de sofisticação, um bunker brasileiro pode custar de US$ 50 mil a até US$ 1 milhão.
O preço espelha uma engenharia de construção complexa. A RCI diz dividir a construção de cada bunker em sete etapas. Cada etapa da obra é entregue a uma empreiteira diferente de um Estado distinto do país. Dessa forma, ninguém tem acesso ao projeto todo nem consegue compreender como o bunker é feito nem onde exatamente ele está, diz Chilelli.
O quadrado feito de um concreto especial é protegido por uma porta blindada aberta com uma combinação de chaves e biometria (leitura digital, de íris ou de formato de rosto). Tudo isso é acessível por uma porta -também blindada, claro- oculta atrás de uma estante ou de um armário, num recurso digno dos filmes de 007.
Nos bunkers urbanos, tudo é independente: a caixa d'água, a rede elétrica e a linha telefônica. "Podem cortar todos os cabos da casa e envenenar a água, podem incendiar a casa ou mesmo explodi-la que, no bunker, nada acontece", devaneia Chilelli.
"O que vemos é a evolução da segurança privada para soluções cada vez mais sofisticadas e com maior grau de sigilo. São estratégias diferenciadas e ultra-restritas", avalia Viviane de Oliveira Cubas, autora do recém-lançado "Segurança Privada - A Expansão dos Serviços de Proteção e Vigilância em São Paulo", fruto de uma pesquisa realizada por ela no Núcleo de Estudos da Violência da USP. Segundo ela, o mercado de segurança privada -que cresce, em média, 20% ao ano e movimenta R$ 4 bilhões anualmente no Brasil- lucra em cima da neurose criada pela violência e crescente sensação de insegurança.
"Apesar de ser estatisticamente desprezível. O poder simbólico de mais de 60 bunkers em São Paulo é muito grande", diz José Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. "Isso é a exceção."
Se o bunker como instrumento de segurança pode parecer paranóia, a blindagem é um recurso já comum. O pânico da violência urbana já produziu a blindagem de milhares de veículos, de 15 mil portas em residências paulistanas e de mais de 14 mil janelas em apartamentos do Rio de Janeiro.

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