São Paulo, segunda-feira, 06 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entrevista/José Carlos Pereira

Se fosse convento, Infraero não teria tantos processos

DA COLUNISTA DA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de não dizer claramente que há ou havia corrupção na Infraero, J. Carlos Pereira deixou claro que acredita nessa hipótese.
"Cento e tantos processos no tribunal de contas, na Controladoria Geral da União, no Ministério Público, na Polícia Federal... Se fosse um convento bem organizado, com as freirinhas cantando de manhã, certamente não teria isso tudo", disse na entrevista abaixo. (ELIANE CANTANHÊDE e IURI DANTAS)  

FOLHA - Por que o sistema aéreo brasileiro implodiu a partir do acidente da Gol (setembro de 2006)?
JOSÉ CARLOS PEREIRA
- O sistema apresentava problemas havia muito tempo, como falta de controladores de vôo. A Aeronáutica reagiu à idéia de fazer concurso para civis com receio de que pudessem fazer greve e parar o sistema. Era melhor ter só militares, obedientes.

FOLHA - Os controladores dizem que os equipamentos estão em frangalhos. Para a Aeronáutica, o sistema é um dos melhores do mundo e a culpa é dos controladores. Quem tem razão?
PEREIRA
- O conceito do sistema brasileiro realmente é um dos melhores do mundo. Mas, uma coisa é você ter um belo software, outra é ter um hardware atualizado. E manutenção. Compramos equipamentos fantásticos e, como me disse a ministra Dilma [Rousseff]: "Temos um BMW, mas não conseguimos fazer a manutenção do BMW". Isso é uma constante.

FOLHA - Por quê?
PEREIRA
- Devo admitir, sim, que existe uma cultura da estética. É muito mais agradável, a qualquer autoridade ou político, inaugurar um belo aeroporto. Como é inaugurar uma pista? É um bloco de cimento no chão. Isso faz parte da cultura.

FOLHA - As panes tornaram-se freqüentes. O sr., como setores da Aeronáutica, acredita em sabotagem?
PEREIRA
- Não. Antes do acidente da Gol, havia problemas e eram resolvidos internamente. Mas realmente há algo suspeito, temos que concordar.

FOLHA - O sr. tinha informações sobre desvio de verbas da Infraero para campanhas políticas?
PEREIRA
- Houve uma má distribuição de prioridades, com mais investimento em terminais do que em operação. Com relação a pagar dívida de campanha, sempre ouvi falar muito, viu? Mas estabeleci o seguinte conceito: não cheguem perto de mim. Mas cada diretor tem uma autonomia grande. A Infraero é enorme. Para campanha, não, nunca ouvi falar diretamente. Boato se fala, fala. Mas sem comprovação. Porém, se você examinar aquela quantidade imensa de processos no TCU, alguma suspeição pode ser levantada, sem dúvida.

FOLHA - O sr. tentou demitir algum diretor?
PEREIRA
- Não me atrevi nem mesmo a ter vontade, seria uma frustração. É como ver doce na vitrine da confeitaria, ficar doido para comer, mas desistir porque não tem dinheiro.

FOLHA - O doce proibido era alguma diretoria específica?
PEREIRA
- Eu precisaria alterar praticamente todas as diretorias. Não necessariamente o diretor, mas a estrutura e a forma de trabalhar, a coordenação, as fiscalizações, a auditoria. Foi muito chocante assumir a empresa e receber do meu auditor um livro dessa grossura com todos os processos e irregularidades de que o tribunal nos acusava. Estabeleci a meta de tirar uma folha por dia. Um ano e quatro meses depois, acho que tirei apenas quatro ou cinco folhas. Mas, pelo menos, não coloquei nenhuma.

FOLHA - O sr. diria que há ou havia corrupção na Infraero?
PEREIRA
- Não posso dizer isso, mas posso dizer que cento e tantos processos no tribunal de contas, na CGU, no Ministério Público, na Polícia Federal... Se fosse um convento bem organizado, com as freirinhas cantando de manhã, certamente não teria isso tudo.

FOLHA - Como estão as pistas?
PEREIRA
- Foi muito difícil fazer essa reforma em Congonhas. Quando você diz que a pista não pode funcionar molhada, as empresas dizem: "O que é isso? pode sim, só um pouquinho molhada não tem perigo nenhum". Não queriam ter prejuízo. Nenhum presidente de empresa, nenhum diretor de operações vai colocar em risco seus passageiros, mas é a história do acostamento. Começa a se aproximar e aí não tem área de escape, pode ficar perigoso.

FOLHA - Mágoa na demissão?
PEREIRA
- Sou "imagoável". Um clamor popular exige um culpado, sempre tem que haver um culpado. Alguém vai atacar a Aeronáutica? A Anac, que é imexível pela Constituição? Quem sobrou? Quem era o lado mais fraco? Eu. Minha cabeça de milico sabe que, quando você ataca o adversário, ataca pelo lado mais fraco. E ali que você arrebenta com ele, estraçalha. Não tenho padrinho político, nem quero. Qual é o problema do padrinho político? Você acaba devendo, e ele vai cobrar.

FOLHA - O lado fraco é o sr. ou a Infraero?
PEREIRA
- Estou falando de mim. Agora, a Infraero tem problemas... Tem que agir ali, tem que demitir gente, tem que fazer o que não pude fazer, não pude mesmo. O menino, o Sérgio [Gaudenzi], está entrando em definitivo, é o homem do governo para ir até o fim.

FOLHA - O que o sr diz sobre a Anac?
PEREIRA
- Um dos problemas é esse negócio de diretoria colegiada, que, me parece, eles resolveram na semana passada. Não funciona. Imagina cinco pessoas, todas com a mesma autoridade sobre os mesmos assuntos. Essas coisas não dão certo, terminam em tragédia.

FOLHA - Literalmente?
PEREIRA
- Metaforicamente.

FOLHA - E as indicações políticas, as suspeitas de vínculos com as aéreas?
PEREIRA
- Não posso dar nomes, mas, se eu fosse presidente de uma companhia aérea, iria fazer tudo para ter gente trabalhando para mim dentro do aparato do Estado. Cabe ao Estado se defender.

FOLHA - E ele se defende?
PEREIRA
- É difícil julgar, mas diria que é preciso mais rigor.

FOLHA - Qual o maior desafio do ministro da Defesa?
PEREIRA
- Criar de fato o Ministério da Defesa. As Forças Armadas precisam estar subordinadas ao poder civil no país.

FOLHA - Os superintendentes da Infraero são indicação política?
PEREIRA
- É como um médico que vai operar seu cérebro e, na hora da cirurgia, você descobre que ele na verdade é um dermatologista indicado pelo senador fulano de tal.

FOLHA - Quais as causas do acidente do vôo 3054?
PEREIRA
- Uma coisa que ocorre muito em aviação é erro de projeto num avião. Não é algo gritante, mas um pequeno detalhe de projeto que em determinadas situações pode enganar o piloto. E digo uma coisa: se um piloto foi enganado um dia por isso, mais cedo ou mais tarde um outro piloto vai ser enganado do mesmo jeito. Meu pensamento caminha para um problema de projeto do avião que induz a um erro de tripulação. Não é nem um erro, mas a não-percepção da tripulação do que está acontecendo.

FOLHA - E a manutenção?
PEREIRA
- Quando você tem um erro de projeto que induz a um erro de piloto e soma a isso um problema de manutenção, tudo fica como o diabo gosta.

FOLHA - O grooving e a área de escape fizeram falta?
PEREIRA
- O grooving não teve nada a ver. Agora, área de escape... em Congonhas é impossível, não tem como. Ouvi o prefeito de São Paulo conversando sobre fazer um porta-aviões mesmo, com pilares imensas de concreto na direção do Jabaquara, mais 400 metros. Agora há escape lateral, como fizeram os aviões da BRA e o Pantanal na véspera do acidente. Nesse caso uma área de escape na reta não ia resolver o problema do vôo da TAM, ele ia sair para a lateral de qualquer maneira. E são pouquíssimas as pistas no Brasil e no mundo onde você tem grandes áreas de escape para se o avião sair da pista.
Esse acidente, dentro da tragédia, foi o melhor que poderia acontecer. Se tivesse saído para a esquerda violentamente, iria entrar no terminal de passageiros, onde estavam por baixo 1.200 pessoas. Se tivesse 25 quilômetros por hora a mais, passaria por cima daquele prédio da TAM Express. Já viu o que tem ali atrás? Um prédio de apartamentos.


Texto Anterior: Tragédia em Congonhas: Governo libera mais R$ 350 milhões para aeroportos
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.