São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BARBARA GANCIA

Viva a gentileza!


Um dos amigos do menino morto fez uma pichação no muro. Ele ou ela escreveu simplesmente: "Gentileza"

ESTIVE COM Cissa Guimarães durante a Copa, assistimos a um jogo na casa de um amigo. Tinha muito tempo que eu não a encontrava e a primeira coisa que fiz ao vê-la foi exclamar: "Nossa, como você está enxuta!" Tem gente que só melhora com essa chatice chamada passar dos anos.
Cissa estava radiante em participar da promoção que foi ao ar nos intervalos dos jogos junto com Faustão. Achei-a em grande forma.
Pois, embora tenha uma personalidade sabidamente enriquecida em bom humor, imagino que aquela Cissa que vi há tão pouco tempo tenha ido embora para sempre.
Na próxima vez que esbarrei nela, foi na TV, num flash que a captou com uma carinha que ninguém merece ter nunca. Cissa estava dentro do túnel em que seu filho perdeu a vida, acompanhando uma homenagem que os amigos fizeram para ele.
Deu para perceber que ela se esforçava para manter um sorriso aceso. Mas não foi o estado dela necessariamente que me fez vir aqui com este assunto hoje.
A uma certa altura, a câmera focalizou uma pichação que acabara de ser feita por um dos amigos do menino morto. Ele ou ela escrevera simplesmente: "Gentileza".
Não conheci Rafael, nunca tinha ouvido falar dele em vida. Na minha cabeça, a Cissa só era mãe dos rapazes tidos com o Pereio, e a Mariana Belém, minha fofinha, era a filha única da Fafá, sem irmãos.
Mas, assim que ele se apagou, sem que nenhum fato concreto me fosse apresentado, eu pude perceber que o rapaz era o suprassumo da elegância. Você por acaso não teve a mesma impressão, meu nobre leitor? É um belo legado esse para um sujeito de apenas 18 anos.
Nesta semana, vimos os meninos do Santos, meu time e da Mariana, irmã do Rafael, em um vídeo extraído de uma twitcam. Na lamentável sequência de imagens, um torcedor chama o goleiro reserva Felipe de "mão de alface". E o goleiro retruca dizendo: "O que eu gasto com o meu cachorro de ração é o teu salário por mês. Então não f..."
Em seguida, um outro jogador, que já caiu no esquecimento -veja que ironia- desrespeita Robinho (que pode não ser grande coisa como vestibulando para santo, mas ao menos tem um mínimo de noção do que significa se expor na internet na condição de jogador de um dos grandes times paulistas): "Pedalada, segura. Sabe por quê? Depois do seu último jogo aqui no Santos, ninguém vai sentir sua falta".
Meu menino maluquinho preferido, Tiago Leifert, afirmou na Globo que examinou as imagens e não viu nada demais. Diz ele que são apenas moleques aprontando. Pode ser. Mas será que não estamos sendo lenientes com os jogadores só porque eles vieram da pobreza?
Deslumbramento em excesso, do tipo que desgraça a vida, não é prerrogativa de favelado que não teve estrutura. Conheço muito bacana assim -nenhum que preste- e vejo que o Rafael tinha a simplicidade de um humilde.
Mas sabemos que é bem mais comum hoje todo mundo fazer por si. E é isso que torna o altruísmo e a gentileza tão mais notáveis. Pois, então, palmas para Rafael! E abaixa essa gola, Neymar! Quanto a você, Madson, vá tentar saber quem era Waldir Pereira, também conhecido como "Mr. Football" ou Didi.

barbara@uol.com.br

@barbaragancia

www.barbaragancia.com.br



Texto Anterior: Notas de real têm traços da droga, diz estudo
Próximo Texto: Há 50 Anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.