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INCULTA & BELA
A tapa e o desapercebido
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
No último domingo, o caderno Esporte da Folha trouxe interessante matéria sobre
o clássico dos Américas -o
mineiro e o potiguar.
Num dos quadros, destacava-se o fato de o América de
Minas ter torcedores ilustres,
entre os quais os ex-presidentes Juscelino e Tancredo.
Em sintonia com isso -e
certamente por causa disso-,
um outro quadro trazia em
destaque a seguinte frase: "É
mais fácil achar cabelo em
ovo do que um torcedor do
América desapercebido".
Por fim, a legenda: "Ditado
popular antigo em Minas Gerais, satirizando o fato de não
haver "americano' pobre".
Onde está a sutileza? Está
em "desapercebido". Muita
gente se confunde com "desapercebido" e "despercebido".
E a confusão aumenta
quando se recorre aos dicionários, que dão as duas como
parcialmente equivalentes.
Se uma pessoa passa e ninguém nota, ninguém vê, essa
pessoa passa "despercebida"
ou "desapercebida".
Sim, de acordo com os dicionários, pode-se usar uma ou
outra. O mais interessante -e
preocupante- é que nos vestibulares não se costuma aceitar "desapercebido" nesse tipo
de frase, o que no fundo é mera idiossincrasia.
Ao afirmar que "aperceber"
pode equivaler a "perceber,
notar", o dicionário Aurélio
faz uma observação contundente: " É excelente -e não
condenável, como querem puristas maníacos- o uso de
aperceber nas acepções de notar, ver, distinguir, perceber".
Agora, cuidado! O fato de
"despercebido" ser equivalente a "desapercebido" não quer
dizer que a recíproca seja integralmente verdadeira.
Tradução: como "aperceber"
tem também o sentido de
"abastecer, fornecer, prover",
"desapercebido" pode significar "não abastecido, desprovido, privado de recursos".
Isso nos faz concluir que, no
provérbio mineiro, "desapercebido" significa "falto, necessitado, carente de recursos",
ou seja, "pobre".
A língua é muito mais surpreendente do que se possa
imaginar. Quando se ensina à
garotada algo que pouco se vê
na linguagem comum, real,
tem-se a sensação de ensinar
o nada, o irreal. De repente,
de um provérbio antigo, popular, vem a surpresa.
Certa vez, eu estava em Belém. Eram três ou quatro horas da tarde, e, para variar,
chovia. Santa chuva! Enquanto esperava que passasse, distraía-me com a conversa de
duas funcionárias das Lojas
Americanas. Pelas tantas,
uma diz: "Ele deu uma tapa!".
E eu, que sempre ensinei que
"tapa" pode ser palavra masculina ou feminina -está nos
dicionários-, descobri que
aquilo era real, e não mera
maluquice de "gramático
doentio". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br
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