São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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DANUZA LEÃO

Momento de decisão

Não dá mais para adiar: vai ter que decidir. Não que esteja infeliz, mas que podia estar melhor, lá isso podia.
Quando se juntaram tinha todas as esperanças; afinal, ele era -e continua sendo- inteligente, culto, brilhante, charmoso, tudo que poderia querer de um homem para compartilhar sua vida. Mas o tempo foi passando, e nada como o tempo para se conhecer melhor as pessoas. E quanto mais se conhece, já viu.
Na época, ele era o melhor, em todos os sentidos, de todos os que apareceram. Só que os anos passaram, e as qualidades que ela tanto apreciou não são mais suficientes para manter a união -não para ela; suas necessidades mudaram, e um homem que brilha nos salões e cativa por sua simpatia não basta para manter o casamento. Ela quer mais: quer alguém mais humano, que não pense no destino do mundo como se o mundo fosse uma coisa abstrata, mas um homem que tenha um ideal, uma paixão. E esse homem apareceu (é incrível: eles sempre aparecem quando a gente precisa).
A irmã está apavorada; "como você vai embarcar numa aventura dessas? Trocar um marido que te dá uma vida estável, te leva para viajar, que qualquer mulher adoraria ter (e quisera eu arranjar um igual), por um artista que tem a pretensão de, através de sua arte, mudar o mundo? Romântica, com a sua idade? Não seja louca, pense na besteira que vai fazer e pense enquanto é tempo". E ela tem pensado; aliás, não tem feito outra coisa.
Talvez seja mesmo loucura. Queixas maiores ela não tem, mas alguma coisa no seu coração diz que a vida poderia ser melhor. Viver mais simplesmente talvez não seja tão grave assim: afinal, as grifes e as viagens são bem agradáveis, mas nunca despertaram nela maiores emoções. E é disso que ela está precisando, mais do que de qualquer outra coisa: emoções. Lembra da música de Roberto Carlos e admite, só para ela mesma: é romântica sim e não tem a menor vontade de mudar.
Mas tem medo; medo de um dia, quando conhecer melhor esse novo homem, descobrir que ele também tem tantos defeitos, embora diferentes, quanto o atual. E se se arrepender? Aí será tarde e Inez já estará mais do que morta.
Não será melhor ficar como está, e deixar essa bobagem de emoções para lá?
Afinal, já passou dos 30 há muito tempo, e já é hora de ter juízo. Mas pensa: é exatamente porque os 30 já estão longe que não há tempo a perder, é agora ou nunca. E tem mais: não adianta pedir opinião a ninguém, pois cada um vai responder a partir de sua própria cabeça e da sua realidade. Foi se abrir com a irmã e deu no que deu. Com pai e mãe, nem pensar. Os pais querem para os filhos situações bem estáveis, pois isso significa preocupações a menos (para eles). Vai ter que resolver sozinha; como dizia sua avó, ela e Deus.
É suficientemente lúcida para saber que se escolher partir às vezes vai sentir saudades do que deixou. Mas está precisando tomar outro rumo, viver outra vida, outras vidas, se arriscar -e isso não dá para explicar.
E pensa: o mundo prova, a cada momento, que as coisas têm mais chance de darem errado do que de darem certo. Mas e se for maravilhoso? Mesmo que as possibilidades sejam poucas, pode acontecer; e se acontecer, a vida terá valido a pena.
Ainda não tem certeza do que vai fazer, mas sabe que tem que ser hoje.
Hoje ou nunca mais.

E-mail -
danuza.leao@uol.com.br

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