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DIREITOS HUMANOS
Para Asma Jahangir, sistema protege alguns e persegue outros
Relatora da ONU sugere revisão do Código Penal
Felipe Varanda/Folha Imagem
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Asma Jahangir (sentada), relatora da ONU, em favela do Rio |
TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Mudanças no Código Penal para que os julgamentos de assassinatos sejam agilizados são as
principais sugestões que a relatora das Nações Unidas para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Asma Jahangir, fará
ao governo brasileiro em seu relatório final sobre a visita ao país.
Para a relatora, há no Brasil "um
sistema que existe para proteger
algumas pessoas e perseguir outras. O sistema judicial brasileiro é
feito de uma forma pela qual parece que nunca será feita Justiça.
O governo tem muito trabalho
pela frente."
Ela vai sugerir ainda que o Ministério Público tenha competência para investigar os policiais
acusados de "execuções sumárias", a independência das polícias técnicas e investimentos na
qualificação das polícias no trabalho de investigação.
Asma Jahangir acha que a ONU
deveria mandar outro observador
ao Brasil apenas para analisar o
sistema judiciário.
A advogada paquistanesa de 51
anos recebeu a Folha no hotel da
zona sul do Rio em que está hospedada desde sexta-feira.
Jahangir está desde 16 de setembro no país. Ela visitou cinco Estados, além do Distrito Federal, e
volta quarta-feira para Genebra,
onde levará entre três e seis meses
para terminar o relatório.
Folha - O que mais chocou a senhora nessas três semanas?
Asma Jahangir - Eu já vi tanta
coisa ruim neste trabalho que faço
que de alguma forma não consigo
mais ficar chocada. Mas o que
mais tem me chateado são os testemunhos das mães que perderam seus filhos mortos por agentes do Estado. O pior é que elas
não conseguem nem ser ouvidas
pelas pessoas do Estado. O que
me atingiu mais foi que em todos
os testemunhos as mães tentam
me convencer que seus filhos são
inocentes. Elas ficam implorando
pelo reconhecimento da inocência deles, em vez de se sentirem
ultrajadas com o que aconteceu
com as crianças.
Folha - Quatro dias depois de
prestar depoimento à senhora, o
agricultor Flávio Manoel da Silva
[única testemunha que havia sobrevivido até então a um grupo de
extermínio de Pernambuco] foi assassinado. Como a senhora recebeu a notícia?
Jahangir - Quando soube, demorei a perceber de quem se tratava. Quando o fiz, lembrei que
ele estava extremamente temeroso, mesmo quando estava conosco. É trágico. Você se sente mal,
triste e pensa no que poderia ter
feito para prevenir. E aumenta
nossa crença de que aqui assassinos podem escapar de punições.
Folha- O que falta para que os criminosos sejam punidos?
Jahangir - Acho que o problema
começa com o legado de um sistema que existe para proteger algumas pessoas e perseguir outras. O
sistema judicial é feito de uma forma pela qual parece que nunca será feita Justiça. O governo tem
muito trabalho pela frente.
Folha - Quais sugestões a senhora
fará em seu relatório?
Jahangir - Uma das primeiras
sugestões é que se faça um projeto
grande de mudanças.
É preciso rever as limitações da
lei. Em alguns lugares, os promotores disseram que as pessoas se
aproveitam dessas limitações, fazendo com que os julgamentos
demorem a acontecer. Sugiro ainda que se analise a questão da necessidade de julgar novamente alguém que foi condenado a mais
de 20 anos de prisão.
É necessário também fortalecer
os ministérios públicos e dar aos
promotores a competência legal
para investigar casos em que policiais são acusados de execuções
sumárias. É importante fazer com
que os departamentos de polícia
técnica sejam independentes, assim como investir no treinamento
e na habilidade em investigação
dos policiais civis. Não é só dar
mais armas.
Vou recomendar também que
venha ao Brasil o relator da ONU
para assuntos de independência
judiciária, para dar uma olhada
no sistema judiciário.
Folha - Pelo que a senhora viu no
Brasil, é possível comparar a situação de violação de direitos humanos com outros países?
Jahangir - Não gosto de fazer
comparações. A democracia do
Brasil está se enraizando. Vocês
têm uma sociedade muito tolerante e estão indo para a frente em
várias direções.
Folha - Como a senhora analisa o
trabalho da sociedade civil nos casos de defesa dos direitos humanos
no Brasil?
Jahangir - É ótimo, muito organizado. Elas [as organizações] trabalham com bastante método, o
que acontece pouco em outros
países. Eu recebi, em todos os Estados, relatórios feitos por ONGs
e pela sociedade civil. Em vários
lugares, as ONGs me encontraram nos escritórios de promotores. Em outros, secretários de Estado estavam nos encontros promovidos pela sociedade civil e
concordavam com ela.
Folha - Qual a avaliação da senhora em relação aos encontros
com representantes do governo do
Rio na última sexta-feira?
Jahangir - O encontro com o
chefe da Polícia Civil [delegado
Álvaro Lins] foi muito bom. O encontro com o procurador-geral
do Ministério Público Estadual
[Antônio Vicente] foi decepcionante, porque parece que não se
conseguia captar que havia uma
razão para eu estar lá, que são as
execuções sumárias. Com o secretário de Administração Penitenciária [Astério Pereira dos Santos]
foi pior ainda. Se alguém que está
nesse cargo nem sabe dizer quantas pessoas morreram sob custódia do Estado, é muito triste. Ele
queria falar sobre tudo, menos sobre a razão pela qual estou aqui.
Folha - Em que Estado houve melhores resultados?
Jahangir - Em vários consegui
perceber uma vontade de mudar,
de cooperar. Mas no Espírito Santos consegui uma das melhores
respostas.
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