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MURO DA DISCÓRDIA
Fechamento de ruas e cobrança de despesas com segurança e limpeza levam descontentes à Justiça
Morador se rebela contra falso condomínio
ALENCAR IZIDORO
FABIO SCHIVARTCHE
RENATO ROSCHEL
DA REPORTAGEM LOCAL
Passadeira aposentada, Judite
Almeida Bispo, 67, jamais imaginou um dia fazer parte de algum
condomínio fechado. Acha que "é
coisa para gente rica". Ela não vive em um, mas é cobrada todos os
meses por despesas com portaria,
segurança, limpeza e manutenção
das ruas do bairro onde mora, em
Cotia, na Grande São Paulo.
Judite foi para lá nos anos 70
porque seu marido arranjou um
emprego como caseiro. Fez uma
casa simples, que permanece até
hoje numa rua de terra.
Ela só não esperava que, anos
mais tarde, residências de alto padrão seriam erguidas nas proximidades. Nem que alguns vizinhos resolveriam instalar cancela,
erguer muros e passar a controlar
a entrada de quem entra nas vias
públicas que circundam sua casa.
Menos ainda que começaria a
receber boletos -de R$ 80 por
mês- para pagar como se morasse em um condomínio privado. A maior parte da sua renda, de
R$ 300, é gasta com remédios.
A passadeira aposentada faz
parte de um grupo crescente de
moradores de municípios como
Cotia, Indaiatuba, Carapicuíba,
Ibiúna e até mesmo São Paulo
que, de forma involuntária, vivem
em "situação de condomínio".
São pessoas que moram em casas localizadas em vias públicas,
mas cujos acessos foram fechados
pela vizinhança como uma maneira de combater a violência.
A colocação de cancelas, muros
e portaria é acompanhada da divisão de despesas. E mesmo quem
não concorda vem sendo pressionado a pagar -nos últimos anos,
por centenas de ações judiciais.
As mensalidades costumam variar de R$ 100 a R$ 500. No bairro
de Judite, a cobrança é de R$ 200,
mas ela obteve um desconto devido às suas condições financeiras.
Só em Cotia já há 62 áreas desse
tipo cadastradas na prefeitura.
Em 2000, não chegavam a 20. Somadas às de cidades vizinhas, como Vargem Grande Paulista e Carapicuíba, ultrapassam 200.
Na capital paulista também há
bolsões desse tipo. O promotor
José Carlos Freitas considera "um
abuso" e tenta na Justiça reverter
alguns casos. Mas, entre juristas,
não há consenso sobre sua legalidade. As decisões judiciais também são das mais variadas.
Associação das vítimas
Diante da expansão desses casos
e da enxurrada de processos na
Justiça, um grupo de cerca de 50
famílias se reuniu no mês passado
para criar a Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo.
Alguns rejeitam a mensalidade
por ideologia -adquiriram lotes
em área aberta e não aceitam ser
obrigados a pagar taxas a particulares, como se estivessem num
condomínio. Outros não querem
pagar pelo serviço que não contrataram por não terem renda suficiente. "Se fosse para pagar, eu
iria para um apartamento", diz
Diana Araújo de Oliveira, 45, desempregada que construiu sua casa em Cotia há 18 anos para fugir
do aluguel paulistano.
"Tenho meus direitos, já pago
meus impostos", afirma George
Oba, 59, de Indaiatuba (a 102 km
de SP), que mora há 12 anos em
um loteamento local. "Quem
compra um terreno aqui hoje fica
ciente de que estão cobrando uma
mensalidade, ainda que ela seja
abusiva. Na minha época não havia nem mesmo isso", afirma.
"Não quero saber de ficar enjaulado, isolado", completa Joaquim
Gonçalves da Paixão, 82, de outro
loteamento fechado, um dos 34
no mesmo município, onde vive
há 30 anos. "Nunca passei por
constrangimento tão grande",
afirma ele, referindo-se ao fato de
ser considerado "inadimplente".
A polêmica sobre os bolsões de
residências se estende à restrição
de acesso a ruas, lagos e praças
públicas. Quem quer passar pela
entrada tem que se identificar.
Muitos dos loteamentos fechados são aprovados por lei municipais. As prefeituras os vêem com
bons olhos, já que não entram nos
bairros para fazer serviços como
limpeza e sinalização. Em alguns
casos, nem os Correios têm acesso
-as cartas ficam na portaria.
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