São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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MURO DA DISCÓRDIA

Fechamento de ruas e cobrança de despesas com segurança e limpeza levam descontentes à Justiça

Morador se rebela contra falso condomínio

ALENCAR IZIDORO
FABIO SCHIVARTCHE
RENATO ROSCHEL

DA REPORTAGEM LOCAL

Passadeira aposentada, Judite Almeida Bispo, 67, jamais imaginou um dia fazer parte de algum condomínio fechado. Acha que "é coisa para gente rica". Ela não vive em um, mas é cobrada todos os meses por despesas com portaria, segurança, limpeza e manutenção das ruas do bairro onde mora, em Cotia, na Grande São Paulo.
Judite foi para lá nos anos 70 porque seu marido arranjou um emprego como caseiro. Fez uma casa simples, que permanece até hoje numa rua de terra.
Ela só não esperava que, anos mais tarde, residências de alto padrão seriam erguidas nas proximidades. Nem que alguns vizinhos resolveriam instalar cancela, erguer muros e passar a controlar a entrada de quem entra nas vias públicas que circundam sua casa.
Menos ainda que começaria a receber boletos -de R$ 80 por mês- para pagar como se morasse em um condomínio privado. A maior parte da sua renda, de R$ 300, é gasta com remédios.
A passadeira aposentada faz parte de um grupo crescente de moradores de municípios como Cotia, Indaiatuba, Carapicuíba, Ibiúna e até mesmo São Paulo que, de forma involuntária, vivem em "situação de condomínio".
São pessoas que moram em casas localizadas em vias públicas, mas cujos acessos foram fechados pela vizinhança como uma maneira de combater a violência.
A colocação de cancelas, muros e portaria é acompanhada da divisão de despesas. E mesmo quem não concorda vem sendo pressionado a pagar -nos últimos anos, por centenas de ações judiciais.
As mensalidades costumam variar de R$ 100 a R$ 500. No bairro de Judite, a cobrança é de R$ 200, mas ela obteve um desconto devido às suas condições financeiras.
Só em Cotia já há 62 áreas desse tipo cadastradas na prefeitura. Em 2000, não chegavam a 20. Somadas às de cidades vizinhas, como Vargem Grande Paulista e Carapicuíba, ultrapassam 200.
Na capital paulista também há bolsões desse tipo. O promotor José Carlos Freitas considera "um abuso" e tenta na Justiça reverter alguns casos. Mas, entre juristas, não há consenso sobre sua legalidade. As decisões judiciais também são das mais variadas.

Associação das vítimas
Diante da expansão desses casos e da enxurrada de processos na Justiça, um grupo de cerca de 50 famílias se reuniu no mês passado para criar a Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo.
Alguns rejeitam a mensalidade por ideologia -adquiriram lotes em área aberta e não aceitam ser obrigados a pagar taxas a particulares, como se estivessem num condomínio. Outros não querem pagar pelo serviço que não contrataram por não terem renda suficiente. "Se fosse para pagar, eu iria para um apartamento", diz Diana Araújo de Oliveira, 45, desempregada que construiu sua casa em Cotia há 18 anos para fugir do aluguel paulistano.
"Tenho meus direitos, já pago meus impostos", afirma George Oba, 59, de Indaiatuba (a 102 km de SP), que mora há 12 anos em um loteamento local. "Quem compra um terreno aqui hoje fica ciente de que estão cobrando uma mensalidade, ainda que ela seja abusiva. Na minha época não havia nem mesmo isso", afirma.
"Não quero saber de ficar enjaulado, isolado", completa Joaquim Gonçalves da Paixão, 82, de outro loteamento fechado, um dos 34 no mesmo município, onde vive há 30 anos. "Nunca passei por constrangimento tão grande", afirma ele, referindo-se ao fato de ser considerado "inadimplente".
A polêmica sobre os bolsões de residências se estende à restrição de acesso a ruas, lagos e praças públicas. Quem quer passar pela entrada tem que se identificar.
Muitos dos loteamentos fechados são aprovados por lei municipais. As prefeituras os vêem com bons olhos, já que não entram nos bairros para fazer serviços como limpeza e sinalização. Em alguns casos, nem os Correios têm acesso -as cartas ficam na portaria.


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