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GILBERTO DIMENSTEIN
O Brasil que cai no vestibular
Um sinal da crise brasileira
aparece numa linha quase
imperceptível no ranking, divulgado na semana passada, dos
cursos mais disputados da Universidade de São Paulo. Essa linha mostra que cada vez menos
jovens se sentem atraídos para a
profissão de engenheiro- é o que
se vê na relação candidato/vaga
da Politécnica, uma instituição
de prestígio mundial.
Esse desinteresse está associado
a décadas de baixo crescimento
econômico, acompanhado pelo
sucateamento da infra-estrutura
como portos, aeroportos, estradas
e usinas hidrelétricas. Está associado também aos mais diversos
obstáculos, a começar dos impostos altos, para quem deseja produzir. Por conseqüência, escassearam e pioraram os empregos
no setor.
Tanto pode se perceber a crise
social pela baixa aprovação dos
alunos de escolas públicas -e isso todos já sabem- como pela
preferência profissional dos estudantes. É grave, por exemplo, o
desinteresse por engenharia; afinal, essa categoria é chave para o
desenvolvimento econômico e, se
não atrai os melhores talentos, reduz a oportunidade de novos projetos.
A Politécnica está abaixo, no
ranking, até mesmo de licenciatura em química; licenciatura, como se sabe, não é exatamente das
áreas mais atrativas, uma vez que
forma professores. Está quase empatada com letras e não fica muito longe da filosofia.
Deve-se fazer a ressalva de que
a Politécnica oferece mais vagas
do que muitos dos cursos que estão à sua frente e isso altera a relação candidato/vaga. Mesmo levando em conta essa diferença, a
queda é contínua, visível, aliás, já
no ensino médio; escolas procuradas tradicionalmente por candidatos a engenharia perceberam
como os alunos optam por outras
carreiras.
A pró-reitora de graduação da
USP, Sônia Penin, avalia que a
escolha profissional dos alunos é
baseada em alguns pontos: empregabilidade, vocação, moda e
prestígio. "Se faltam empregos e
os salários são baixos, é normal
que a procura não seja tão intensa", analisa.
O topo do ranking reflete o crescente apelo da comunicação, sintoma da chamada sociedade de
informação; o primeiro lugar foi
para publicidade. Está próximo
de jornalismo e de audiovisual. O
curso de design foi lançado neste
ano e estreou em quinto lugar.
Também na frente, refletindo as
mudanças do mercado e de comportamento dos consumidores,
aparecem relações internacionais
(efeito da globalização), educação física e fisioterapia (efeito do
envelhecimento da população e
da tendência por vida mais saudável ou do medo da obesidade).
Num sinal das conquistas da
mulher, o segundo curso mais
concorrido (54 candidatos por vaga) é o de oficial feminino da Polícia Militar; uma relação cinco vezes maior do que a da Politécnica.
Se a baixa procura pelos cursos
de engenharia sinaliza a persistente crise provocada pelo baixo
crescimento, a crise social está estampada na base do ranking. Entre os cursos menos procurados
estão as licenciaturas, responsáveis pela formação de professores.
Tão grave quanto a procura é a
qualidade dos candidatos, muitos
dos quais só conseguem entrar
numa universidade pública apenas por essa porta e não demonstram nenhuma vocação para o
magistério.
Segundo estatísticas oficiais,
existe atualmente, na rede pública, um déficit de 235 mil professores no ensino médio; e mais 500
mil de quarta a oitava séries. O
déficit é especialmente agudo em
matemática, física, química e biologia.
Há dados ainda piores -aliás,
muito piores.
Uma pesquisa da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em
Educação, realizada em dez Estados, em todos os níveis e redes de
ensino, indica que 53% dos professores em atividade estão na faixa dos 40 aos 59 anos e 38,4% têm
entre 25 e 39 anos. Só 3% dos professores em atividade têm entre 18
e 24 anos. Por isso se diz, ironicamente, que o professor é uma espécie em extinção. E daí se entende, em parte, por que somos uma
nação de analfabetos e semi-analfabetos.
Fala-se muito, e em todos os lugares, em crescimento sustentável. O ranking da Fuvest revela
obstáculos para prosperidade de
uma nação. Um país em que as
carreiras de magistério e de engenharia não são atraentes sempre
terá dificuldades de construir um
desenvolvimento econômico, social e político, seja por não criar
trabalhadores qualificados ou
profissionais capazes de adaptar e
desenvolver novas tecnologias.
PS - Por essas e outras, uma das
maiores obtusidades aparece numa pesquisa divulgada na semana passada: cerca de 80% dos alunos do ensino médio técnico da
rede pública em São Paulo conseguem emprego, a imensa maioria
deles com carteira assinada. Investir nesse segmento é tão importante quanto abrir vagas em universidades -afinal, cria emprego
e mão-de-obra qualificada.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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