São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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GILBERTO DIMENSTEIN

O Brasil que cai no vestibular

Um sinal da crise brasileira aparece numa linha quase imperceptível no ranking, divulgado na semana passada, dos cursos mais disputados da Universidade de São Paulo. Essa linha mostra que cada vez menos jovens se sentem atraídos para a profissão de engenheiro- é o que se vê na relação candidato/vaga da Politécnica, uma instituição de prestígio mundial.
Esse desinteresse está associado a décadas de baixo crescimento econômico, acompanhado pelo sucateamento da infra-estrutura como portos, aeroportos, estradas e usinas hidrelétricas. Está associado também aos mais diversos obstáculos, a começar dos impostos altos, para quem deseja produzir. Por conseqüência, escassearam e pioraram os empregos no setor.
Tanto pode se perceber a crise social pela baixa aprovação dos alunos de escolas públicas -e isso todos já sabem- como pela preferência profissional dos estudantes. É grave, por exemplo, o desinteresse por engenharia; afinal, essa categoria é chave para o desenvolvimento econômico e, se não atrai os melhores talentos, reduz a oportunidade de novos projetos.
A Politécnica está abaixo, no ranking, até mesmo de licenciatura em química; licenciatura, como se sabe, não é exatamente das áreas mais atrativas, uma vez que forma professores. Está quase empatada com letras e não fica muito longe da filosofia.
Deve-se fazer a ressalva de que a Politécnica oferece mais vagas do que muitos dos cursos que estão à sua frente e isso altera a relação candidato/vaga. Mesmo levando em conta essa diferença, a queda é contínua, visível, aliás, já no ensino médio; escolas procuradas tradicionalmente por candidatos a engenharia perceberam como os alunos optam por outras carreiras.
A pró-reitora de graduação da USP, Sônia Penin, avalia que a escolha profissional dos alunos é baseada em alguns pontos: empregabilidade, vocação, moda e prestígio. "Se faltam empregos e os salários são baixos, é normal que a procura não seja tão intensa", analisa.
O topo do ranking reflete o crescente apelo da comunicação, sintoma da chamada sociedade de informação; o primeiro lugar foi para publicidade. Está próximo de jornalismo e de audiovisual. O curso de design foi lançado neste ano e estreou em quinto lugar.
Também na frente, refletindo as mudanças do mercado e de comportamento dos consumidores, aparecem relações internacionais (efeito da globalização), educação física e fisioterapia (efeito do envelhecimento da população e da tendência por vida mais saudável ou do medo da obesidade).
Num sinal das conquistas da mulher, o segundo curso mais concorrido (54 candidatos por vaga) é o de oficial feminino da Polícia Militar; uma relação cinco vezes maior do que a da Politécnica.
Se a baixa procura pelos cursos de engenharia sinaliza a persistente crise provocada pelo baixo crescimento, a crise social está estampada na base do ranking. Entre os cursos menos procurados estão as licenciaturas, responsáveis pela formação de professores. Tão grave quanto a procura é a qualidade dos candidatos, muitos dos quais só conseguem entrar numa universidade pública apenas por essa porta e não demonstram nenhuma vocação para o magistério.
Segundo estatísticas oficiais, existe atualmente, na rede pública, um déficit de 235 mil professores no ensino médio; e mais 500 mil de quarta a oitava séries. O déficit é especialmente agudo em matemática, física, química e biologia.
Há dados ainda piores -aliás, muito piores.
Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, realizada em dez Estados, em todos os níveis e redes de ensino, indica que 53% dos professores em atividade estão na faixa dos 40 aos 59 anos e 38,4% têm entre 25 e 39 anos. Só 3% dos professores em atividade têm entre 18 e 24 anos. Por isso se diz, ironicamente, que o professor é uma espécie em extinção. E daí se entende, em parte, por que somos uma nação de analfabetos e semi-analfabetos.
Fala-se muito, e em todos os lugares, em crescimento sustentável. O ranking da Fuvest revela obstáculos para prosperidade de uma nação. Um país em que as carreiras de magistério e de engenharia não são atraentes sempre terá dificuldades de construir um desenvolvimento econômico, social e político, seja por não criar trabalhadores qualificados ou profissionais capazes de adaptar e desenvolver novas tecnologias.
PS - Por essas e outras, uma das maiores obtusidades aparece numa pesquisa divulgada na semana passada: cerca de 80% dos alunos do ensino médio técnico da rede pública em São Paulo conseguem emprego, a imensa maioria deles com carteira assinada. Investir nesse segmento é tão importante quanto abrir vagas em universidades -afinal, cria emprego e mão-de-obra qualificada.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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