São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2010

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WALTER CENEVIVA

Dilma e a realização da Justiça


O segmento daqueles que trabalham com a Justiça ficou desapontado. Ficou fora do discurso da presidente eleita

O DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF como presidente eleita da República, agradecendo os votos recebidos, foi aplaudido, com mérito, pelos vários segmentos do povo brasileiro. Quase todos, ao que parece. O segmento dos que trabalham com a Justiça, porém, ficou desapontado. Ficou fora do discurso.
Lá estiveram, e estiveram bem, "as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural". Lá estiveram seus compromissos com o país, de valorizar "a democracia em toda sua extensão, desde o direito de opinião ao de expressão", com oportuna e clara manifestação da "mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa".
Suas preocupações com os desprotegidos da fortuna não poderiam ser mais claras e decididas.
Genericamente, em termos do direito aplicado, merece referência sua frase curta, mas definitiva: "Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da Presidência da República".
Se, numa extrapolação, aceitarmos esse enunciado como o modo síntese de afirmar o primado da Justiça e de seus operadores, tudo bem. Mas não parece suficiente. Tanto que ela cuidou da liberdade religiosa e de culto, da observação permanente dos direitos humanos, consagrados na Carta Magna.
Dilma fez referência específica, entre os membros da nação, "aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem".
Falou muito em prosperidade e em empreendedores. Quanto a esses, afirmou a participação deles neste "momento de maior potencial, numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada". Confia no seu zelo pelo "aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo".
No entanto, faltou referência a um segmento que pode e deve fazer muito para a realização desses fins: a Justiça oficial (com todos os seus conhecidos defeitos, entre os quais o da morosidade).
A contribuição que a presidente da República poderá dar será eficaz se os agentes da administração forem aparelhados para cobrança de créditos do Poder Público, mas simultaneamente deixem de se servir das vantagens processuais que lhes são asseguradas, quando estenderem ao infinito a duração dos processos movidos por credores do Poder Público.
Mais triste ainda: frequentemente com o beneplácito do nosso Poder Judiciário.
Faltou a leitura do artigo 102 da Constituição, pelo qual a função precípua do Supremo Tribunal Federal é a de guarda da mesma Carta. Faltou a leitura do artigo 84 da Constituição, para, examinando seus 27 incisos, apreciar a gama das funções essenciais do presidente da República a serem cumpridas, sob pena de impedimento.
É tão forte e tão incisiva a enumeração constitucional que desfez, desde logo, a crítica do leitor que entender que o enunciado dos órgãos encarregados de fazer justiça não cabia naquele momento inicial.
Cabia e cabe sempre, pois a presidente da República tem débitos com todos os cidadãos, os que votaram nela e os que votaram no perdedor, de acordo com o próprio e firme enunciado da mesma Rousseff.
Uma certeza adveio do discurso: se Dilma for fiel a suas palavras, será uma boa presidente.


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