São Paulo, sexta, 6 de novembro de 1998

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VIOLÊNCIA
Homicídios cometidos por policiais são catalogados como autos de resistência pela Secretaria da Segurança
Rio ignora 599 mortos pela polícia

SERGIO TORRES
da Sucursal do Rio

A Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio deixou de incluir as mortes praticadas por policiais nas estatísticas de homicídios deste ano.
As 599 mortes cometidas por policiais militares e civis entre 1º de janeiro e anteontem foram catalogadas pela secretaria como autos de resistência, não como homicídios. De acordo com a secretaria, todos os mortos eram "bandidos", vitimados em confrontos contra policiais que realizavam ações profissionais.
Todos eles, segundo divulgação da secretaria, atacaram os policiais a tiros. No revide, foram mortos, conforme a versão oficial.
Este ano, policiais do Estado do Rio foram responsáveis pela morte de 4,46 pessoas em cada grupo de 100 mil habitantes.
De janeiro a setembro, as Polícias Militar e Civil mataram 543 supostos marginais.
Essas mortes representam 11,67% dos homicídios (4.650 registros) ocorridos no Estado do Rio durante o mesmo período.
Em outubro, 53 acusados foram mortos por policiais. Nos quatro primeiros dias deste mês, a PM matou três pessoas acusadas de envolvimento com a criminalidade.
A Secretaria da Segurança ainda não divulgou a quantidade de homicídios ocorridos no Estado no mês passado.
O rótulo auto de resistência implica, na maioria das vezes, impunidade para os policiais envolvidos nas mortes. Os casos acabam sendo arquivados sem ir a julgamento. Feito geralmente pela PM, o registro na delegacia como auto de resistência indica reação armada por parte das vítimas, que, em razão do ataque aos policiais, foram mortas.
O delegado, então, abre o inquérito, que conclui que as vítimas resistiram à ordem de prisão.
O caso vai para o Ministério Público. Se o promotor concorda com a conclusão da delegacia, pede o arquivamento da investigação. Se o juiz aceita o pedido, o caso está encerrado.
Para o advogado Antônio Carlos Berenhauser, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio, é errado qualificar um homicídio como auto de resistência. "Ao matar um criminoso, o policial comete um homicídio. A resistência pode ser alegada pelo policial. As circunstâncias da morte terão que ser apuradas, para que fique provado se houve ou não resistência. Esse é o procedimento correto", disse ele.
A Secretaria da Segurança afirmou que não há por parte do governo intenção de omitir a quantidade real de mortes ocorridas no Estado.
Segundo a secretaria, as estatísticas de homicídios são feitas com base nos registros das delegacias.
Como as delegacias fornecem separadamente as listas de homicídios e de autos de resistências, esses números não são misturados, informou a secretaria.



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