|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEBATE FOLHA
Melfi, da USP, apresenta projeto das universidades estaduais de São Paulo para favorecer alunos de baixa renda
Reitor quer política de inclusão sem cotas
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Reitores das universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp) encaminharam ao
governo do Estado um projeto de
lei com propostas de políticas de
inclusão social e ações afirmativas
-conjunto de ações que visam,
entre outras coisas, facilitar o
acesso às minorias às universidades e ao mercado de trabalho. No
texto, não há menção para a reserva de vagas para os negros.
Entre as propostas estão uma
série de ações e atividades que visam melhorar a qualidade do ensino médio. Uma delas seria um
projeto de reforço educacional
para estudantes de baixa renda no
último ano do ensino médio, uma
espécie de cursinho com objetivo
de prepará-lo para o vestibular.
Também constam do projeto
propostas de criação de novos
cursos noturnos, a unificação dos
vestibulares das universidades
públicas do Estado, a isenção das
taxas do concurso e a criação de
um sistema de bolsas de estudo
para evitar a evasão escolar dos
alunos carentes.
O projeto -ainda passível de
mudanças- foi apresentado pelo
reitor da USP, Adolpho José Melfi, durante debate sobre políticas
de cotas para minorias nas universidades realizado no auditório
da Folha na última quinta-feira.
Também participaram do evento a ministra de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a professora de psicologia social da PUC Fúlvia Rosemberg, a diretora do Centro de
Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Cândido Mendes, Rosana Heringer, e Demétrio Magnoli, pesquisador e editor do jornal "Mundo - Geografia e Política Internacional".
Na avaliação de Melfi, antes de
se pensar em adoção de cotas para
as minorias, "é preciso fazer um
levantamento de todos aspectos
sociais e econômicos para que
não se faça injustiças com certas
ações afirmativas".
O reitor foi vaiado por estudantes que estavam na platéia, que,
entre outras coisas, criticaram o
valor da taxa (R$ 83,00) e o conteúdo do vestibular da Fuvest.
"É mais de 1/3 do salário mínimo, um absurdo. Eu mesmo não
tive grana para prestar", disse o
estudante Fernando Morais, 19.
"Eu pedi dinheiro emprestado
para a taxa, mas me arrependi.
Fui mal nas provas porque a
maioria das questões, especialmente as de exatas, nunca havia
aprendido", completou Cristina
de Sousa, aluna de escola pública.
Para o deputado federal Sebastião Arcanjo (PT), o projeto dos
reitores é antidemocrático porque não foi discutido pelos conselhos universitários.
Na opinião de Rosana Heringer,
são necessárias medidas imediatas para a inclusão dos afrodescendentes no ensino superior.
"Não dá para ficar esperando a
concretização de políticas a médio prazo", afirma.
Segundo a pesquisadora, a iniciativa de algumas universidades
de fixar reserva de vagas para os
negros é uma "conquista que deve ser aperfeiçoada". Heringer
considera de fundamental importância que o atual modelo de vestibular seja revisto e defende a
criação de políticas que possibilitem a permanência do aluno carente nas universidades públicas.
A professora Fúlvia Rosemberg
avalia que os negros enfrentam
hoje uma imensa barreira desde a
pré-escola, mas persistem na luta
para complementar a sua escolaridade. Para ela, isso é herança do
passado escravista que impedia o
acesso dos negros à escola.
Rosemberg afirma que persiste
na academia uma ideologia racista. "Não são mostrados modelos
negros de sucesso. Na hierarquia
universitária só há brancos", diz.
A professora acredita ser necessário expandir as ações afirmativas para o corpo docente e para o
currículo universitário. "É preciso
dar um tratamento preferencial
aqueles que historicamente foram
discriminados para que ultrapassem as barreiras que o sistema
vem impondo. Eles precisam ter
condições de competição similares às dos brancos", diz.
Já o pesquisador Demétrio
Magnoli pediu cautela para que o
debate sobre as ações afirmativas
não seja simplificado. "São necessárias mudanças estruturais profundas no sistema. Pensar simplesmente em política de cotas é
falsear o debate e desviar o foco
do que realmente está em jogo."
Engana-se, avalia Magnoli,
quem pensa que a proposta de reserva de vagas para o negro é reflexo de uma política de esquerda.
"É uma política compensatória de
extrema direita que dá a falsa
idéia de igualdade de direitos entre os cidadãos", diz, fazendo um
paralelo com as políticas de ações
afirmativas realizadas nos EUA
na década de 60.
O pesquisador acredita que a reserva de cotas surgiu nos EUA como uma forma de apaziguar um
movimento político de "desracialização". Ao mesmo tempo em
que o Estado americano implantou a política de cotas, diz Magnoli, começou a desmantelar o conjunto de serviços públicos, aumentando a desigualdade social.
"Não é curioso que a direita brasileira apoie o sistema de cotas. O
interessante é que a esquerda
também o defenda", diz.
A ministra Matilde Ribeiro discordou do pesquisador, defendendo que o governo petista também está atento às necessidades
de "mudanças estruturais profundas". Para ela, o Brasil tem
uma profunda dívida com a população negra e indígena. "É preciso reconhecer o imenso fosso de
desigualdades sociais e o quanto
essa mudança é necessária", diz.
Para Ribeiro, "o problema das
desigualdades sociais não é apenas dos negros, mas sim um problema de toda a nação brasileira".
A ministra diz que a população
negra vive altamente excluída e
medidas urgentes, como o sistema de cotas, são necessárias. "Do
contrário, vamos continuar perpetuando a universidade branca."
Texto Anterior: Uniformes: Cassada liminar que suspendia leilão do MEC Próximo Texto: Marcha lenta: Obras no centro deixam trânsito caótico Índice
|