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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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DEBATE FOLHA

Melfi, da USP, apresenta projeto das universidades estaduais de São Paulo para favorecer alunos de baixa renda

Reitor quer política de inclusão sem cotas

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Reitores das universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp) encaminharam ao governo do Estado um projeto de lei com propostas de políticas de inclusão social e ações afirmativas -conjunto de ações que visam, entre outras coisas, facilitar o acesso às minorias às universidades e ao mercado de trabalho. No texto, não há menção para a reserva de vagas para os negros.
Entre as propostas estão uma série de ações e atividades que visam melhorar a qualidade do ensino médio. Uma delas seria um projeto de reforço educacional para estudantes de baixa renda no último ano do ensino médio, uma espécie de cursinho com objetivo de prepará-lo para o vestibular.
Também constam do projeto propostas de criação de novos cursos noturnos, a unificação dos vestibulares das universidades públicas do Estado, a isenção das taxas do concurso e a criação de um sistema de bolsas de estudo para evitar a evasão escolar dos alunos carentes.
O projeto -ainda passível de mudanças- foi apresentado pelo reitor da USP, Adolpho José Melfi, durante debate sobre políticas de cotas para minorias nas universidades realizado no auditório da Folha na última quinta-feira.
Também participaram do evento a ministra de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a professora de psicologia social da PUC Fúlvia Rosemberg, a diretora do Centro de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Cândido Mendes, Rosana Heringer, e Demétrio Magnoli, pesquisador e editor do jornal "Mundo - Geografia e Política Internacional".
Na avaliação de Melfi, antes de se pensar em adoção de cotas para as minorias, "é preciso fazer um levantamento de todos aspectos sociais e econômicos para que não se faça injustiças com certas ações afirmativas".
O reitor foi vaiado por estudantes que estavam na platéia, que, entre outras coisas, criticaram o valor da taxa (R$ 83,00) e o conteúdo do vestibular da Fuvest.
"É mais de 1/3 do salário mínimo, um absurdo. Eu mesmo não tive grana para prestar", disse o estudante Fernando Morais, 19. "Eu pedi dinheiro emprestado para a taxa, mas me arrependi. Fui mal nas provas porque a maioria das questões, especialmente as de exatas, nunca havia aprendido", completou Cristina de Sousa, aluna de escola pública.
Para o deputado federal Sebastião Arcanjo (PT), o projeto dos reitores é antidemocrático porque não foi discutido pelos conselhos universitários.
Na opinião de Rosana Heringer, são necessárias medidas imediatas para a inclusão dos afrodescendentes no ensino superior. "Não dá para ficar esperando a concretização de políticas a médio prazo", afirma.
Segundo a pesquisadora, a iniciativa de algumas universidades de fixar reserva de vagas para os negros é uma "conquista que deve ser aperfeiçoada". Heringer considera de fundamental importância que o atual modelo de vestibular seja revisto e defende a criação de políticas que possibilitem a permanência do aluno carente nas universidades públicas.
A professora Fúlvia Rosemberg avalia que os negros enfrentam hoje uma imensa barreira desde a pré-escola, mas persistem na luta para complementar a sua escolaridade. Para ela, isso é herança do passado escravista que impedia o acesso dos negros à escola.
Rosemberg afirma que persiste na academia uma ideologia racista. "Não são mostrados modelos negros de sucesso. Na hierarquia universitária só há brancos", diz.
A professora acredita ser necessário expandir as ações afirmativas para o corpo docente e para o currículo universitário. "É preciso dar um tratamento preferencial aqueles que historicamente foram discriminados para que ultrapassem as barreiras que o sistema vem impondo. Eles precisam ter condições de competição similares às dos brancos", diz.
Já o pesquisador Demétrio Magnoli pediu cautela para que o debate sobre as ações afirmativas não seja simplificado. "São necessárias mudanças estruturais profundas no sistema. Pensar simplesmente em política de cotas é falsear o debate e desviar o foco do que realmente está em jogo."
Engana-se, avalia Magnoli, quem pensa que a proposta de reserva de vagas para o negro é reflexo de uma política de esquerda. "É uma política compensatória de extrema direita que dá a falsa idéia de igualdade de direitos entre os cidadãos", diz, fazendo um paralelo com as políticas de ações afirmativas realizadas nos EUA na década de 60.
O pesquisador acredita que a reserva de cotas surgiu nos EUA como uma forma de apaziguar um movimento político de "desracialização". Ao mesmo tempo em que o Estado americano implantou a política de cotas, diz Magnoli, começou a desmantelar o conjunto de serviços públicos, aumentando a desigualdade social.
"Não é curioso que a direita brasileira apoie o sistema de cotas. O interessante é que a esquerda também o defenda", diz.
A ministra Matilde Ribeiro discordou do pesquisador, defendendo que o governo petista também está atento às necessidades de "mudanças estruturais profundas". Para ela, o Brasil tem uma profunda dívida com a população negra e indígena. "É preciso reconhecer o imenso fosso de desigualdades sociais e o quanto essa mudança é necessária", diz.
Para Ribeiro, "o problema das desigualdades sociais não é apenas dos negros, mas sim um problema de toda a nação brasileira". A ministra diz que a população negra vive altamente excluída e medidas urgentes, como o sistema de cotas, são necessárias. "Do contrário, vamos continuar perpetuando a universidade branca."


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