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Entrevista Enrique Peñalosa
Numa cidade avançada, ricos usam o transporte público
Para ex-prefeito de Bogotá, é preciso restringir o uso dos carros para melhorar trânsito
A única forma de reduzir os congestionamentos é restringir o uso do carro. Para Enrique Peñalosa, prefeito
de Bogotá de 1998 a 2001 e responsável por iniciar a
implantação do Transmilênio, sistema de ônibus rápido, nenhum transporte público resolve o problema do
trânsito se os carros não forem retirados das ruas. Em
São Paulo para o Urban Age, conferência internacional
sobre urbanismo que acabou ontem, Penãlosa, que hoje atua como consultor, falou à Folha sobre a importância de uma boa calçada e de um transporte público eficiente e disse que a cadeira de rodas é a melhor
máquina de planejamento urbano.
(MARIANA BARROS)
FOLHA - O que faz uma boa cidade?
ENRIQUE PEÑALOSA - Jan Gehl
[urbanista dinamarquês que
defende que as cidades priorizem ciclistas e pedestres] diz
que é aquela em que os moradores têm vontade de sair de
casa, estar nas ruas -não no
shopping. Uma cidade tem de
ser boa para as pessoas mais
vulneráveis: crianças, cadeirantes, idosos, pobres, ciclistas.
Transporte não faz ninguém
feliz, é apenas necessário, como
água potável. Mas se há um parque, isso faz as pessoas felizes.
O desafio é criar a cidade para
as pessoas, e não para os carros.
FOLHA - Que coisas melhoram a vida urbana?
PEÑALOSA - Os parques são algo
necessário ou um luxo? Acho
que as pessoas precisam, sim,
de um espaço desses, não para
sobreviver, mas para serem
mais felizes. Todos em São Paulo jogam bola. Por que não há
campos ou quadras públicas?
FOLHA - O que caracteriza uma cidade avançada?
PEÑALOSA - Temos uma idéia de
que progresso é ter mais pessoas usando carros, mas nas cidades mais avançadas do mundo, como Zurique, na Suíça, ou
Tóquio, no Japão, as pessoas
quase não usam automóvel.
Uma cidade verdadeiramente avançada é aquela em que os
ricos usam transporte público,
caminham e vão a parques. O
contrário disso é quando os ricos usam helicópteros, vão a
clubes fechados, a shoppings,
moram em condomínios.
Avanço é o que acontece no
Central Park, em NY, onde 50
bilionários andam ao lado de
pessoas que nem sabem onde
vão dormir naquela noite.
FOLHA - Como fazer isso?
PEÑALOSA - Precisamos de segurança, diminuir a criminalidade. Agora, para fazer com que
as pessoas usem transporte público é preciso restringir o uso
de carros. Muita gente em SP
tem carro, mas usa metrô. Não
é porque adoram o metrô, mas
porque é mais rápido, não precisa estacionar. De um lado, é
preciso melhorar o transporte
público; de outro, é preciso restringir o uso de automóveis.
Há varias maneiras de se fazer isso. O rodízio é uma delas.
Nenhum transporte público do
mundo acaba com os congestionamentos. A única maneira
é restringir o uso de carros.
Tem de haver restrições a estacionamentos, sobretudo nas
ruas. Outra forma é criar uma
taxa, como em Londres, ou rodízio, como em SP e Bogotá.
FOLHA - Deve-se combater o carro?
PEÑALOSA - Não estou falando
de restringir a compra, de colocar taxas na compra. É bom que
as pessoas tenham carro, para
poderem viajar, sair à noite.
Elas só não devem usá-lo nas
horas de pico. Vamos cobrar
pelo uso, não pela aquisição. Ou
cobrar mais caro pelo combustível. Gasolina no Brasil deveria
custar três vezes mais, e o dinheiro arrecadado deve ser investido em transporte.
FOLHA - É preciso optar entre carros ou pessoa
PEÑALOSA - É possível medir a
democracia analisando como o
espaço público é distribuído
entre pedestres, ciclistas, ônibus e carros. Quanto mais tender para os primeiros, mais democrática será. É uma questão
política, não há nada técnico
nisso. Se houver mais espaço
para carros, haverá mais carros;
menos espaço, menos carros.
As cidades ricas, há 15 anos, decidiram não fazer mais vias para melhorar o trânsito.
FOLHA - A piora é porque a população está crescendo?
PEÑALOSA - Não. Pode parecer
que fazer mais estradas melhora o trânsito, mas isso não é verdade. Você conhece uma única
cidade do mundo que tenha resolvido o problema do trânsito
fazendo vias maiores? Não há.
Nos EUA, apesar das estradas gigantescas, o trânsito piora a cada ano. O que gera o trânsito é o número de viagens que
cada automóvel faz e as distâncias que percorrem. Construir
túneis e viadutos só faz com
que os carros vão mais longe e
façam mais viagens. Nos primeiros anos, isso alivia o trânsito, como já ocorreu em SP.
Depois piora de novo.
FOLHA - É uma questão cultural?
PEÑALOSA - Sim. A classe média,
que tem carro, só quer mais espaço para os carros. Vão do estacionamento do prédio ao estacionamento do escritório, ao
estacionamento do shopping,
ao estacionamento do clube e
podem passar meses sem andar
em um quarteirão. A única coisa que querem do governo é polícia e rodovias. Querem metrô
não para usar, mas porque querem que os ônibus vão para o
subsolo. Não querem que o ônibus tire o espaço dos carros.
FOLHA - É melhor investir em ônibus ou em metrô?
PEÑALOSA - Em SP, há três vezes mais gente usando ônibus
do que metrô; é muito mais
prático e barato. Londres, para
10 milhões de habitantes, tem
1.850 km de metrô. Proporcionalmente, SP, que tem 20 milhões, teria de ter 3.700 km de
metrô [Grande SP tem hoje 322
km de transporte urbano sobre
trilhos]. Ainda assim, Londres
desloca 1 milhão a mais de pessoas em ônibus do que em metrô. Mesmo com metrô, é preciso um bom sistema de ônibus.
A linha amarela que está sendo construída custa mais de
US$ 150 milhões por km. Cada
passageiro custa US$ 1,50. O
Transmilênio custa US$ 10 milhões por km e cada passageiro,
US$ 0,50. Leva 45 mil passageiros por hora por direção. Não
estou dizendo que é melhor ou
pior, mas é bom o suficiente.
FOLHA - E as calçadas?
PEÑALOSA - Calçadas são parte
do sistema de transporte, porque a jornada começa quando
saímos de casa. Uma calçada
boa é símbolo de que o cidadão
que caminha tem o mesmo valor de outro que tem um carro
de US$ 30 mil. É símbolo de democracia. O que diferencia
uma cidade boa de uma ruim é
a qualidade das calçadas.
As de SP estão muito melhores agora do que há dez anos,
principalmente nas áreas mais
centrais. Se eu pudesse, amarrava o secretário de Planejamento numa cadeira de rodas e
diria: vá andar pela sua cidade.
Uma cadeira de rodas é a máquina do planejamento urbano.
FOLHA - Como o sr. avalia o programa Cidade Limpa?
PEÑALOSA - É um exemplo para
o mundo. É o que de mais importante se passou em SP nos
últimos dez anos.
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