São Paulo, segunda-feira, 06 de dezembro de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª
JOSÉ MARIANO BELTRAME


Vamos investigar "dentro de casa", diz Beltrame

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA DO RIO AFIRMA QUE MILITARES DARÃO "SHOW" NO ALEMÃO E QUE CORREGEDORIAS DE POLÍCIA DEVEM SER "PROATIVAS"

PAULA CESARINO COSTA
DIRETORA DA SUCURSAL DO RIO

PLÍNIO FRAGA
DO RIO

O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, 53, anuncia em entrevista à Folha que fará com que as corregedorias de polícia deixem de ser "reativas" e passem a "proativas". "Vamos investigar dentro de casa", declara.
Ele coordenou na semana passada a mais incisiva ação policial contra o tráfico em décadas, com a retomada do Complexo de Alemão, na zona norte. Foram mais de cem prisões e mais de 300 armas e 35 toneladas de drogas apreendidas, mas também denúncias de roubos, agressões e corrupção de policiais.
O secretário disse que o governador Sérgio Cabral (PMDB) finaliza decreto para que policiais sejam obrigados a apresentar declaração de Imposto de Renda.
O objetivo é analisar a compatibilidade entre o que se tem e o que se ganha.
Beltrame não se mostra preocupado com eventuais efeitos da ação do Exército em favelas. "Acho que o Exército vai dar show."
Aplaudido na sexta-feira durante almoço em uma churrascaria e depois em uma agência bancária, nega possibilidade de entrar para a política. "Essa mosquinha ainda não me pegou, não." A seguir, trechos da entrevista.

 

Folha - É mais importante combater o tráfico de arma do que o de droga? O tráfico no Rio é diferente do de outros lugares por causa das armas?
José Mariano Beltrame -
Mas não só pela questão armada. Aqui temos algo que não há no resto do país e talvez no mundo. A arma está ligada à droga aqui porque temos três facções criminosas ideologicamente diferentes e que se odeiam entre si.
Conquistaram territórios na arma. Começaram com a arma de mão, a outra facção vinha com uma metralhadora. Depois veio o fuzil.
Não vou terminar com o tráfico de drogas. Basicamente o que a gente quer é pegar os territórios de volta para o Estado cobrir sua dívida com aquela região. Mais do que isso: estou criando um ambiente para que se desenvolva ali outra imagem, que não seja do tráfico.

A que o sr. atribui o início desses ataques? Só às UPPs? Mas estão aí há dois anos...
Acho que é a UPP, e você pode comprovar porque tem bilhetes por escrito [de chefes do tráfico] dizendo exatamente o que tu está achando que não é. O que acontecia aqui? A polícia trocava tiro, matava algumas pessoas, pegava uma quantidade de droga e ia embora.
Quando acontecia algo que os traficantes não gostavam, eles queimavam carro. "Me incomodou, vou dar um aviso."

Como foi a estratégia para reverter os ataques?
Quando os incêndios se espalharam, percebemos que essas informações vinham da Vila Cruzeiro. Ela recebia dos presídios e era a central de disseminação. Em vez de botar um policial em cada esquina, vou na Vila Cruzeiro.
Se vou na Vila Cruzeiro, não vou mais sair. Se vou lá, tenho de ir ao Complexo do Alemão. E de lá também não vou poder sair. É melhor do que apagar incêndio em tudo o que é esquina.
Nosso programa aqui de atacar os Complexos da Penha e do Alemão estava lá na frente, daqui a uns 15, 16 meses. Desengavetamos.
O que faltava para fazer hoje esse projeto? Blindado para transportar os policiais e efetivo para fazer um grande cerco e manter.
Aí veio a ideia de pedir à Marinha, porque equipamento não precisa pedir a Brasília. Resolve-se aqui. Já o efetivo tem um trâmite diferente. Foi o que não nos permitiu entrar na Vila Cruzeiro e ter tudo cercado.

A falta do cerco foi o que permitiu a fuga?
Aquela imagem [dos traficantes fugindo no alto da serra] chocou muita gente. Mesmo que tivesse com os pontos controlados, no Brasil só posso prender em flagrante ou com decisão judicial. Paro um cara daqueles, desarmado e sem droga... E aí?

Qual foi a orientação dada para que a operação terminasse com poucas mortes?
Não quero matar ninguém. Hoje vocês me cobram porque fugiram. Se eu autorizo o helicóptero blindado a decolar com uma metralhadora automática, vocês iriam dizer: "Secretário, morreu gente ali que só estava com uma mochilinha nas costas".
E estava cheio de gente assim, sem arma. Esse cara botou uma camisa, se é que botou, e passou na cara do policial. Porque é o cara que gravita no tráfico.

O sr. não fica preocupado pelo Exército estar fazendo o papel da polícia?
Não. Porque ali onde eles vão ficar, não vai mais haver confronto. A Polícia Militar já retirou o colete no Alemão. Ali é uma questão de manutenção da ordem para fazer vasculhamento. Acho que o Exército vai dar show, tem oportunidade de dar show.

A Força Nacional de Segurança não pode ter esse papel?
A Força de Segurança não tinha o efetivo que eu precisava. Poderia mandar 150 homens. Mandam homens por avião e carros por terra.
Depois me disseram: "Consigo mais 300". Mas eles funcionam com 30 homens de um Estado, 20 de outro. Até juntar tudo... A operação que fizemos envolveu 2.500 de quatro instituições em horas.
Na época do Pan [Jogos Pan-Americanos de 2007], dizia-se que o uso da Força Nacional era a vitória do poder civil contra a militarização da política de segurança.
Essa tua teoria não é construção minha. Continuo achando que não adianta trazer 300 homens se a presença deles for efêmera.
Hoje é diferente. Tenho o Exército no que era o balcão de negócios do crime. As pessoas não têm ideia do que aquilo significa. Vão ficar oito, nove meses, conversando com a comunidade.
Depois da primeira etapa da ocupação, começaram a surgir as denúncias de corrupção e violência policial.
Como técnico, minha proposta era ocupar. Integrar 2.500 homens em questão de horas. Conseguimos. A rapidez com que a operação foi feita, o tamanho daquela área, o queijo suíço que é aquilo... Alguma coisa não saiu 100%. De zero a dez, fomos bem para cima.
Tem problemas com o espólio [do tráfico]? Tem sim. Não conseguimos cobrir imediatamente todos os pontos de fuga? Não, não conseguimos cobrir. Mas são 400 mil pessoas livres do fuzil.

Quase todo crime no Rio tem participação policial. Isso pode macular toda a política de segurança. Por que as UPPs não seriam corrompidas?
É uma preocupação. Tu tens toda a razão. Mas não significa que não tenha de avançar com propostas de segurança pública.
Tenho uma proposta de ocupação em que os policiais saem da academia e vão para as UPPs. Não é o que está na rua. É um policial sem vício. Não é só o vício da corrupção, mas não tem o vício da guerra.
É um policial composto para trabalhar em um lugar que tenha paz, para que possa desenvolver aquilo para que foi treinado. É mais bem pago, a prefeitura paga metade do salário [ganha R$ 1.100 do Estado, mais R$ 500 da prefeitura].
O que a gente pretende fazer com a UPP é criar uma ambiência para as pessoas que vivem ali e, a partir dela, criar outra polícia.

Mas haverá um período de convivência do policial da UPP com a velha polícia.
Convivência, não. O policial da UPP não desce para rua e o da rua não sobe para a UPP.

Que tipo de investigação, punição e controle dos policiais é feito hoje?
A gente já chegou à beira de mil policiais demitidos em quatro anos. As pessoas se esquecem de que combater milícia é fazer corregedoria, considerando que entre os milicianos há policia.
As corregedorias têm posicionamento mais reativo do que proativo. A proposta, em que vou mexer pesado, é inverter essa lógica. Temos que antecipar essas situações. A partir desse trabalho do Alemão, vou apurar e vamos ter que encontrar.
Quero mostrar que este policial aqui é que é um problema. Mário Sérgio [Duarte, comandante geral da PM] vai voltar a demitir este pessoal com a tropa formada, para que meia dúzia de pessoas não fragilizem a operação.

Como a corregedoria vai ser proativa?
Toda uma reestruturação para tratar de assuntos internos. Quando você pega um policial desses, ele tem o mesmo direito de qualquer pessoa. Delegado não ia para rua há muito tempo. Conosco aqui já foram uns quatro ou cinco. Teve um que demorou dois anos e meio.
É investigação específica de assuntos internos. Vamos investigar "dentro de casa".
Consegui um decreto do governador que vai começar a ser possível pedir a declaração de Imposto de Renda dos policiais. Na Polícia Federal, tem de apresentar a cada seis meses, para uma análise patrimonial. Saber se há uma compatibilidade entre o que ganha e seus bens.

O sr. viu "Tropa de Elite"?
Não.

A milícia virou a principal questão...
A milícia foi a principal questão. Quando eu cheguei aqui havia seis presos por polícia, sendo que o delegado que prendeu quatro deles foi parar lá longe. Hoje tem 531 presos por milícia.

A milícia não está crescendo?
Essa leitura ainda não é nítida dessa forma.

Haverá muita pressão para que o sr. seja candidato daqui a quatro anos...
Essa mosquinha ainda não me pegou, não.


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