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HABITAÇÃO
O grupo, que foi transferido de Osasco para Guarulhos no final de 2002, deixou o local por decisão da Justiça
Sem-teto são despejados pela segunda vez
PALOMA COTES
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um grupo de aproximadamente 2.000 pessoas sofreu ontem o
que parecia impossível: pela segunda vez em 30 dias foi despejado de seus barracos, que acabaram sob os tratores do Estado.
É o resultado de uma novela que
mistura miséria, desinformação,
falência do poder público e desconfiança no governo.
O caso começou em meados do
ano passado, quando as famílias
invadiram um terreno em Osasco
(Grande SP). A Justiça ordenou a
reintegração de posse. Os sem-teto ameaçaram reagir. E o dono do
terreno pediu ajuda ao Estado.
Em 6 de dezembro, o governo
do Estado fez um acordo com as
famílias: "exportaria temporariamente" todo mundo para um terreno da CDHU a 50 km dali, em
Guarulhos, e depois pensaria em
uma solução final.
Dito e feito -à revelia do prefeito de Guarulhos, Elói Pietá
(PT). "O terreno é nosso [da
CDHU". Não avisamos [Pietá",
não", confirma o secretário de Estado da Justiça, Alexandre de Moraes. "Nunca tivemos condições
de manter essas famílias. Falta dinheiro, educação, saúde. Estamos
no limite do limite", diz o secretário de Comunicação de Guarulhos, Eder Paschoal.
Dias depois, o prefeito Elói Pietá
esteve com o governador Geraldo
Alckmin (PSDB). O tucano prometeu uma solução em 120 dias, o
que foi repetido por seu secretário
da Justiça no dia seguinte a promotores e aos sem-teto.
"Daríamos água, alimentos, saneamento, saúde e, ao longo de
120 dias, transferiríamos todos
para 450 unidades da CDHU", diz
Moraes. Os sem-teto pediram 24
horas para pensar na proposta.
No dia seguinte, segundo relato
do secretário, 30 funcionários da
CDHU foram à área ocupada para iniciar o cadastramento das famílias. Elas fizeram fila, mas alguns sem-teto expulsaram os cadastradores, diz Moraes.
O movimento nega ter recebido
a visita. O confronto, segundo o
Estado, foi fotografado. As fotos
estariam em poder do promotor
Marcelo Daneluzzi. O promotor,
no entanto, está em férias.
"Recusamos o acordo porque o
Estado dizia que havia intenção
da dar os apartamentos, mas não
havia garantia", diz Aílton Alves,
advogado do MTST (Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto).
"O compromisso seria firmado
em um inquérito civil. Era assinado. Eles que não quiseram e pediram agrovila urbana para plantar
remédio. Pode? Não há legislação
para isso", rebate Moraes.
Mas no rascunho da proposta
feita aos sem-teto -que integra
um inquérito civil- não está prevista a transferência das famílias
para os apartamentos em 120
dias, mas o "encaminhamento
para os programas habitacionais
(...) observando os critérios de
atendimento aos inscritos".
Diante da falta de acordo, o Ministério Público foi à Justiça dizendo que a terra estava sofrendo
parcelamento irregular e conseguiu o despejo -ocorrido ontem.
Coube ao Estado -réu na ação-
demolir os barracos e retirar os
móveis dos sem-teto.
Eram 70 caminhões. Alguns
voltaram a Osasco. Outros, porém, deixaram as pessoas em uma
invasão do MTST, a 5 km dali,
ainda em Guarulhos.
"A Justiça manda retirar, não
assentar. Tentamos evitar que eles
fossem levados para lugar nenhum, mas eles não ajudaram",
diz Moraes. "Foi uma solução terrível", rebate Paschoal.
Revolta
No meio do fogo cruzado, os
sem-teto passaram o dia. "O que
deixa a gente mais revoltado é que
ninguém, de nenhum governo,
está preocupado com o nosso
problema", afirmou João de Deus
Santos, 37, que aguardava uma
solução -com seus móveis- ao
lado dos 3.900 m2 do terreno vazio
da CDHU -a companhia de habitação popular do Estado.
Trabalhando como porteiro,
Santos ganha R$ 300. Com o salário sustenta, "como pode", os dois
filhos. Como outras famílias
acampadas, ele e os filhos não tinham para onde ir e nem a quem
recorrer.
Enquanto carregava sua mudança -apenas uma cama e um
sofá-, o desempregado Damião
Barbosa, 36, também criticava os
governos municipal e estadual e
reclamava da mudança.
"A gente já não aguenta mais ir
de um lugar pro outro, sem rumo
certo e sem uma solução", diz.
Já a aposentada Maria Farias de
Jesus, 74, preferiu voltar para a casa de um parente, que mora na favela do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo.
"Melhor voltar para a favela que
continuar tentando ter uma casa
própria. Eu até pensei que ia dar
certo, mas está tudo destruído."
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