São Paulo, terça-feira, 07 de janeiro de 2003

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HABITAÇÃO

O grupo, que foi transferido de Osasco para Guarulhos no final de 2002, deixou o local por decisão da Justiça

Sem-teto são despejados pela segunda vez

PALOMA COTES
SÍLVIA CORRÊA

DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de aproximadamente 2.000 pessoas sofreu ontem o que parecia impossível: pela segunda vez em 30 dias foi despejado de seus barracos, que acabaram sob os tratores do Estado.
É o resultado de uma novela que mistura miséria, desinformação, falência do poder público e desconfiança no governo.
O caso começou em meados do ano passado, quando as famílias invadiram um terreno em Osasco (Grande SP). A Justiça ordenou a reintegração de posse. Os sem-teto ameaçaram reagir. E o dono do terreno pediu ajuda ao Estado.
Em 6 de dezembro, o governo do Estado fez um acordo com as famílias: "exportaria temporariamente" todo mundo para um terreno da CDHU a 50 km dali, em Guarulhos, e depois pensaria em uma solução final.
Dito e feito -à revelia do prefeito de Guarulhos, Elói Pietá (PT). "O terreno é nosso [da CDHU". Não avisamos [Pietá", não", confirma o secretário de Estado da Justiça, Alexandre de Moraes. "Nunca tivemos condições de manter essas famílias. Falta dinheiro, educação, saúde. Estamos no limite do limite", diz o secretário de Comunicação de Guarulhos, Eder Paschoal.
Dias depois, o prefeito Elói Pietá esteve com o governador Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano prometeu uma solução em 120 dias, o que foi repetido por seu secretário da Justiça no dia seguinte a promotores e aos sem-teto.
"Daríamos água, alimentos, saneamento, saúde e, ao longo de 120 dias, transferiríamos todos para 450 unidades da CDHU", diz Moraes. Os sem-teto pediram 24 horas para pensar na proposta.
No dia seguinte, segundo relato do secretário, 30 funcionários da CDHU foram à área ocupada para iniciar o cadastramento das famílias. Elas fizeram fila, mas alguns sem-teto expulsaram os cadastradores, diz Moraes.
O movimento nega ter recebido a visita. O confronto, segundo o Estado, foi fotografado. As fotos estariam em poder do promotor Marcelo Daneluzzi. O promotor, no entanto, está em férias.
"Recusamos o acordo porque o Estado dizia que havia intenção da dar os apartamentos, mas não havia garantia", diz Aílton Alves, advogado do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
"O compromisso seria firmado em um inquérito civil. Era assinado. Eles que não quiseram e pediram agrovila urbana para plantar remédio. Pode? Não há legislação para isso", rebate Moraes.
Mas no rascunho da proposta feita aos sem-teto -que integra um inquérito civil- não está prevista a transferência das famílias para os apartamentos em 120 dias, mas o "encaminhamento para os programas habitacionais (...) observando os critérios de atendimento aos inscritos".
Diante da falta de acordo, o Ministério Público foi à Justiça dizendo que a terra estava sofrendo parcelamento irregular e conseguiu o despejo -ocorrido ontem. Coube ao Estado -réu na ação- demolir os barracos e retirar os móveis dos sem-teto.
Eram 70 caminhões. Alguns voltaram a Osasco. Outros, porém, deixaram as pessoas em uma invasão do MTST, a 5 km dali, ainda em Guarulhos.
"A Justiça manda retirar, não assentar. Tentamos evitar que eles fossem levados para lugar nenhum, mas eles não ajudaram", diz Moraes. "Foi uma solução terrível", rebate Paschoal.

Revolta

No meio do fogo cruzado, os sem-teto passaram o dia. "O que deixa a gente mais revoltado é que ninguém, de nenhum governo, está preocupado com o nosso problema", afirmou João de Deus Santos, 37, que aguardava uma solução -com seus móveis- ao lado dos 3.900 m2 do terreno vazio da CDHU -a companhia de habitação popular do Estado.
Trabalhando como porteiro, Santos ganha R$ 300. Com o salário sustenta, "como pode", os dois filhos. Como outras famílias acampadas, ele e os filhos não tinham para onde ir e nem a quem recorrer.
Enquanto carregava sua mudança -apenas uma cama e um sofá-, o desempregado Damião Barbosa, 36, também criticava os governos municipal e estadual e reclamava da mudança.
"A gente já não aguenta mais ir de um lugar pro outro, sem rumo certo e sem uma solução", diz.
Já a aposentada Maria Farias de Jesus, 74, preferiu voltar para a casa de um parente, que mora na favela do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo.
"Melhor voltar para a favela que continuar tentando ter uma casa própria. Eu até pensei que ia dar certo, mas está tudo destruído."


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