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Auto-escola usa digital falsa e ajuda condutor sem preparo
Sistema de impressões digitais foi criado há 2 anos contra fraudes na obtenção de CNH
Objetivo da regra era "vigiar" para que candidato comparecesse de fato às aulas de direção e ao exame médico obrigatório
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
O sistema implantado para
combater a formação de condutores despreparados e a prática histórica de compra da carteira de habilitação tem sido
ampla e facilmente burlado pelas auto-escolas de São Paulo.
A identificação obrigatória
da impressão digital dos candidatos, antes e no final de cada
aula, foi adotada há mais de
dois anos pelo Estado e vendida
como uma inovação antifraude.
Diante do controle frágil pelo
governo paulista (primeiro na
gestão Geraldo Alckmin, depois na de José Serra, ambos do
PSDB), virou uma ficção em
boa parte dos CFCs (Centros de
Formação de Condutores)
-condição admitida por entidades da categoria e constatada
pela Folha nos treinamentos.
Na teoria, todo mundo que
fosse tirar sua carteira seria vigiado pelo sistema a fim de garantir a sua presença em todas
as aulas de direção. A impressão digital inserida no exame
médico deveria coincidir com a
colocada no começo e no final
de cada uma das 15 aulas práticas ao volante -quantidade
mínima exigida pela legislação.
Na prática, não há ou não
tem funcionado qualquer alerta do sistema para a falta de
consistência dos registros.
Digitais de pessoas diferentes são colocadas na hora do
exame médico e de cada aula.
Ou então um mesmo funcionário da auto-escola usa sua digital para vários candidatos.
Ou ainda os registros são feitos de forma retroativa: os alunos colocam sua impressão digital num só dia, equivalente a
aulas que deveriam ter sido
realizadas em dias anteriores.
No ABC paulista, após denúncias, houve a apreensão
nos últimos meses pelo Detran
até de um dedo de silicone usado por uma clínica nos exames
médicos para facilitar a fraude.
Não é à toa que São Paulo virou um atrativo para moradores de Minas Gerais tirarem a
carteira paulista sem passar
por exames e aulas -sob suspeita, mais de 19 mil habilitações acabaram bloqueadas.
Próximo ao Detran
Basta acompanhar algumas
aulas para confirmar como a
falta da identificação digital dos
candidatos à habilitação pode
ser às vezes generalizada.
Além de driblar a carga horária exigida por lei, a prática é
adotada também por comodidade, para que os CFCs não
gastem com aparelhos móveis
para armazenar a biometria ou
não obriguem os alunos a passar na sede para registrar a digital antes e depois de cada aula.
A burla é freqüente, por
exemplo, no autorama do parque Ibirapuera, a poucos metros da sede do Detran, onde
são feitas aulas de moto.
Foi lá que D., 18, após realizar
duas aulas sem registrar sua
impressão digital, disse à Folha
que não precisaria fazer as 15
obrigatórias, mas só pagá-las à
Auto Moto Escola Dois Irmãos,
no bairro do Ipiranga, zona sul.
Ele dizia ter pressa para tirar
sua habilitação para trabalhar
como motoboy. Afirmou ter
acertado de fazer "só três ou
quatro", tempo suficiente para
conhecer a rota da prova.
Também foi lá que, em entrevistas gravadas, outros alunos -de auto-escolas como Topo e Silver, na zona sul- confirmaram não terem sido submetidos à identificação digital.
Até por telefone é possível
obter a mesma informação
-como revelou uma atendente
da auto-escola Santa Rita, que
descartou a necessidade de
passar pelo registro para fazer
as aulas de motocicleta.
A burla do sistema de biometria se tornou alvo nos últimos
meses da criação de um grupo
de trabalho com equipes do
Detran para discutir soluções
-por enquanto sem sucesso.
Culpa
Dirigentes do órgão de trânsito, extraoficialmente, atribuem culpa à Prodesp (companhia de processamento de dados), responsável pelo sistema.
"A biometria foi criada para
garantir que haja cumprimento
da carga horária. Mas há distorções e desvios de conduta. O
sistema não está reconhecendo
a inconsistência das digitais",
admite José Guedes Pereira,
presidente do sindicato das auto-escolas no Estado, que se diz
a favor do controle e punição de
quem infringe a norma. "O problema é que, sem consistência,
cai em descrédito."
Magnelson Carlos de Souza,
presidente da federação nacional das auto-escolas, considera
que as falhas na biometria em
São Paulo são uma distorção
que se repete pelo país inteiro.
"Os Detrans deixam de fiscalizar a totalidade do processo de
habilitação praticado pelas auto-escolas. É clara a observação
de que uma grande parcela da
categoria atua a serviço do "jeitinho brasileiro", estimulada
pela sensação de impunidade."
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