São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Auto-escola usa digital falsa e ajuda condutor sem preparo

Sistema de impressões digitais foi criado há 2 anos contra fraudes na obtenção de CNH

Objetivo da regra era "vigiar" para que candidato comparecesse de fato às aulas de direção e ao exame médico obrigatório

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O sistema implantado para combater a formação de condutores despreparados e a prática histórica de compra da carteira de habilitação tem sido ampla e facilmente burlado pelas auto-escolas de São Paulo.
A identificação obrigatória da impressão digital dos candidatos, antes e no final de cada aula, foi adotada há mais de dois anos pelo Estado e vendida como uma inovação antifraude.
Diante do controle frágil pelo governo paulista (primeiro na gestão Geraldo Alckmin, depois na de José Serra, ambos do PSDB), virou uma ficção em boa parte dos CFCs (Centros de Formação de Condutores) -condição admitida por entidades da categoria e constatada pela Folha nos treinamentos.
Na teoria, todo mundo que fosse tirar sua carteira seria vigiado pelo sistema a fim de garantir a sua presença em todas as aulas de direção. A impressão digital inserida no exame médico deveria coincidir com a colocada no começo e no final de cada uma das 15 aulas práticas ao volante -quantidade mínima exigida pela legislação.
Na prática, não há ou não tem funcionado qualquer alerta do sistema para a falta de consistência dos registros.
Digitais de pessoas diferentes são colocadas na hora do exame médico e de cada aula. Ou então um mesmo funcionário da auto-escola usa sua digital para vários candidatos.
Ou ainda os registros são feitos de forma retroativa: os alunos colocam sua impressão digital num só dia, equivalente a aulas que deveriam ter sido realizadas em dias anteriores.
No ABC paulista, após denúncias, houve a apreensão nos últimos meses pelo Detran até de um dedo de silicone usado por uma clínica nos exames médicos para facilitar a fraude.
Não é à toa que São Paulo virou um atrativo para moradores de Minas Gerais tirarem a carteira paulista sem passar por exames e aulas -sob suspeita, mais de 19 mil habilitações acabaram bloqueadas.

Próximo ao Detran
Basta acompanhar algumas aulas para confirmar como a falta da identificação digital dos candidatos à habilitação pode ser às vezes generalizada.
Além de driblar a carga horária exigida por lei, a prática é adotada também por comodidade, para que os CFCs não gastem com aparelhos móveis para armazenar a biometria ou não obriguem os alunos a passar na sede para registrar a digital antes e depois de cada aula.
A burla é freqüente, por exemplo, no autorama do parque Ibirapuera, a poucos metros da sede do Detran, onde são feitas aulas de moto.
Foi lá que D., 18, após realizar duas aulas sem registrar sua impressão digital, disse à Folha que não precisaria fazer as 15 obrigatórias, mas só pagá-las à Auto Moto Escola Dois Irmãos, no bairro do Ipiranga, zona sul.
Ele dizia ter pressa para tirar sua habilitação para trabalhar como motoboy. Afirmou ter acertado de fazer "só três ou quatro", tempo suficiente para conhecer a rota da prova.
Também foi lá que, em entrevistas gravadas, outros alunos -de auto-escolas como Topo e Silver, na zona sul- confirmaram não terem sido submetidos à identificação digital.
Até por telefone é possível obter a mesma informação -como revelou uma atendente da auto-escola Santa Rita, que descartou a necessidade de passar pelo registro para fazer as aulas de motocicleta.
A burla do sistema de biometria se tornou alvo nos últimos meses da criação de um grupo de trabalho com equipes do Detran para discutir soluções -por enquanto sem sucesso.

Culpa
Dirigentes do órgão de trânsito, extraoficialmente, atribuem culpa à Prodesp (companhia de processamento de dados), responsável pelo sistema.
"A biometria foi criada para garantir que haja cumprimento da carga horária. Mas há distorções e desvios de conduta. O sistema não está reconhecendo a inconsistência das digitais", admite José Guedes Pereira, presidente do sindicato das auto-escolas no Estado, que se diz a favor do controle e punição de quem infringe a norma. "O problema é que, sem consistência, cai em descrédito."
Magnelson Carlos de Souza, presidente da federação nacional das auto-escolas, considera que as falhas na biometria em São Paulo são uma distorção que se repete pelo país inteiro. "Os Detrans deixam de fiscalizar a totalidade do processo de habilitação praticado pelas auto-escolas. É clara a observação de que uma grande parcela da categoria atua a serviço do "jeitinho brasileiro", estimulada pela sensação de impunidade."


Texto Anterior: Segurança pública: Polícia Civil remaneja 500 delegados para a Grande SP
Próximo Texto: 19 mil carteiras sob suspeita são bloqueadas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.