São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

BARBARA GANCIA

A vez da "Cidade Digna"


De acordo com a lógica de Kassab, o Central Park deveria ser loteado para extinguir cortiços no Harlem


O PREFEITO GILBERTO KASSAB é uma realidade mais do que estabelecida na política paulista. Inteligente e duro na queda, ele já deu mostras de que tem um futuro político interessante pela frente.
É cheio de qualidades e a Cidade Limpa foi uma opção genial dentro da limitação estabelecida pelo caos paulistano. Mas, sinto informar, nem a lei ou seus predicados pessoais terão transformado Kassab em um Haussmann, o prefeito que modernizou Paris.
De certo, não estamos aqui hoje falando de um administrador com uma visão urbanística para São Paulo. Prova disto é sua mais recente iniciativa, a de vender um quarteirão de 20 mil m2 no Itaim Bibi -onde estão localizados centenas de árvores nativas, uma biblioteca tombada, uma creche, uma escola, um Caps (Centro de Apoio Psicossocial), uma Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e um posto de saúde.
Em seu lugar, a iniciativa privada construiria novos espigões que serviriam de moradia para a grã-finada que foge da insegurança das casas dos Jardins.
A desculpa para a ocupação da área é a de que a prefeitura precisa do dinheiro para construir creches, uma vez que há cerca de 120 mil crianças sem vaga na rede pública.
Sinto muito, mas o argumento do prefeito, cuja intimidade com grupos imobiliários é conhecida, não cola. Com o tanto de IPTU e de impostos pagos pelo paulistano, trata-se de uma infâmia desocupar uma área funcionante, linda e verdejante para atender aos caprichos de construtoras de imóveis de luxo.
E, veja só: a mentalidade mesquinha dos moradores do entorno é tão distorcida quanto a argumentação oferecida pelo prefeito. Dizem eles que o quarteirão não comporta novos prédios por falta de espaço e reclamam de possíveis congestionamentos. Ou seja, como sempre, estão apenas olhando para seu próprio umbigo.
Desconfio de que a prefeitura até conte com essa reação estapafúrdia para levar seu plano adiante. Vá um morador do "Itaim nobre" tentar sensibilizar com esse tipo de raciocínio quem vive no congestionado centro ou quem toma ônibus todo dia. Brioche neles, não é mesmo?
E quem se comove com o drama dos moradores de ruas como Salvador Cardoso, Cojuba, Lopes Neto e Horário Lafer, com o IPTU mais caro de Sampa, quando é da creche das criancinhas que estamos falando?
Bem, ocorre que em nenhuma cidade civilizada passa pela cabeça derrubar escolas e jardins em áreas nobres para solucionar problemas outros. Isso é conversa mole, que deveria ser objeto de investigação. Seguindo a lógica de Kassab, o Central Park teria de ter sido loteado para tirar o pessoal dos cortiços do Harlem. Ou, então, que se botasse abaixo a Ilha dos Museus para construir moradia para os alemães de Berlim-Leste depois da queda do Muro. E a dignidade de São Paulo, como fica?
Não tem sentido em uma cidade que carece de verde e de espaço como a nossa que o prefeito nos obrigue até mesmo a ter esta conversa.
E há também um conflito de interesse paralelo na questão. Por estar ligado ao núcleo político ao qual Kassab deve lealdade, não se sabe até que ponto o presidente da associação do bairro, que se declarou contra a venda do valioso quarteirão e disse que vai promover ampla discussão sobre o assunto, estará empenhado em lutar pela preservação da área. De minha parte, por ora, eu não lhe confiaria meu cão e personal trainer, Pacheco Pafúncio, para dar uma volta no quadrilátero ameaçado.

barbara@uol.com.br
www.barbaragancia.com.br
@barbaragancia


Texto Anterior: Há 50 anos
Próximo Texto: Área na Pompeia fica submersa pela chuva a cada 17 dias no verão
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.