São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARNAVAL

Nos cem anos dos papangus, grupos que deram origem à festa são sufocados por turistas em cidade do interior de Pernambuco

Mascarados mantêm tradição em Bezerros

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BEZERROS (PE)

No centenário dos papangus, como são chamados os foliões mascarados de Bezerros (100 km de Recife, em Pernambuco), os homenageados foram minoria.
A grande presença de turistas na cidade neste ano esquentou o desfile, mas escondeu as tradicionais figuras, que se diluíram no meio da multidão de forasteiros -havia dinamarqueses na cidade-, que fazem dobrar a população de Bezerros no Carnaval.
Os grupos mascarados infiltrados nos blocos, entretanto, garantiram a continuidade da tradição. Chamaram a atenção pela criatividade e pela disposição de brincar horas seguidas cobertos da cabeça aos pés, sob o sol de verão do Agreste nordestino.
Grupos usando sacos de papelão na cabeça e vestindo roupas feitas com estopa lembravam as origens dos papangus, que utilizavam máscaras feitas com papel de embrulhar charque (carne bovina salgada e em mantas), pintadas com folhas de fava e açafrão.
Outros foliões preferiram as máscaras luxuosas, douradas, com plumas e adornos coloridos. Todos, porém, mantiveram a tradição de brincar no anonimato até o final do dia, quando os rostos foram então descobertos.
O único costume que se perdeu no tempo foi o da visita dos papangus às casas dos moradores. No início do século passado, eles eram recebidos com angu de milho e carne -o que deu origem ao nome dos mascarados.
Cem anos depois, o prato típico de regiões do Nordeste continua nas mesas dos bares de Bezerros, mas ninguém o recebe de graça, como no passado.
A quantidade de papangus torna qualquer oferta do tipo inviável. Os organizadores dos festejos estimaram em 100 mil o número de pessoas ontem na cidade, que tem 57 mil habitantes.

Dança estrangeira
Entre os visitantes, destacava-se no meio da multidão um grupo de homens e mulheres de pele e cabelos claros e olhos azuis, que tocava e dançava frevo.
Eram os músicos e dançarinos dinamarqueses da A Banda, grupo formado em Copenhague, em 1982, especializado em música brasileira, em especial os ritmos pernambucanos.
Assim como as orquestras nativas, os estrangeiros arrastaram uma multidão. A quantidade de foliões nas ruas lembrava a concorrida festa em Olinda.
"Lembra [Olinda], mas aqui ainda existe segurança e tem pessoas de todas as idades brincando", disse o sargento da Aeronáutica Adilson Marcelino, integrante de um grupo de 60 pessoas que trocou a festa na cidade histórica pelo interior do Estado.

Fora de controle
A multidão de foliões que participou neste ano do Carnaval em Bezerros agradou e ao mesmo tempo fez acender a luz de alerta nos responsáveis pela Empetur (Empresa de Turismo de Pernambuco).
Segundo o diretor da estatal Pepe Cal, o órgão discutirá, já para o próximo Carnaval, a possibilidade de descentralizar a festa, hoje concentrada em apenas um pólo.
"Quando um evento cresce nessa proporção, sempre surgem alguns problemas", afirmou.
Para ele, o fato de a multidão de visitantes ter escondido os papangus neste ano não tirou o brilho do Carnaval e não risco de a tradição desaparecer com o tempo.
"Bezerros tem identidade própria e não vai perder essa característica", disse Cal.


Texto Anterior: De camarote: Emissoras dão aula de surrealismo pela TV
Próximo Texto: Notas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.