São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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Sonhos de Belém

Sete travestis adolescentes do Pará que se prostituíam na capital paulista são resgatados pela polícia, mas já dizem que vão voltar a SP

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

Eles têm entre 14 e 17 anos, nasceram em Belém (PA) e chegaram a São Paulo com documentos falsos e duas certezas: a de que iriam ganhar a vida como travestis e juntar dinheiro para fazer implante de silicone nos seios.
O sonho dos sete garotos foi interrompido por uma ação policial na última quarta-feira. "Eu tava tomando banho, o policial bateu na porta, eu abri e ele foi logo dando porrada na minha cabeça", conta Pamela, 17.
Em São Paulo desde agosto, ela foi descoberta, com as outras seis colegas, numa casa no Cambuci, onde pagavam uma diária de R$ 30 para dormir e comer. Os nomes são fictícios.
Cinco dos travestis adolescentes já voltaram para Belém no sábado, depois de serem ouvidos pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado. "As autoridades paraenses foram acionadas para recebê-las e encaminhá-las de volta às famílias", afirma a secretária de Justiça de São Paulo, Eloisa de Sousa Arruda.
Duas delas estão ameaçadas de morte. É o caso de Daiany, 14, cuja família denunciou o esquema de exploração sexual que resultou na prisão de 80 travestis.
"Se ela voltar para Belém ou ficar vão acabar com ela", diz Pamela, sobre a amiga que está em SP há 15 dias.
A capital era uma descoberta. "Aqui a gente pode andar de ônibus e ir ao shopping sem ser xingada", diz Daiany. Mas também convivia com o espectro da violência. "Nunca se sabe se o cliente é psicopata ou se vai dar o cano." Já levou porrada e calote. Diz se defender com o salto das sandálias altíssimas sobre as quais oferecia seu corpo delicado na avenida Indianópolis.

MEIA-NOITE?
Todos os dias, o grupo de novatas fazia tudo sempre igual. "A gente tinha que sair de casa até as 20h e só podia voltar a partir das 5h", relata Natasha, rosto infantil bem maquiado, voz anasalada.
Por volta das 13h, a turma era acordada pela cozinheira para o almoço. "Dormia o dia inteiro. É muito cansativo", diz Jessica, 15. E lucrativo. "Quanto mais nova e magrinha, melhor", afirma Michelly", 15. O preço por programa varia de R$ 80 (no carro) a R$ 120 (no hotel). "Em uma noite boa, dava para voltar com R$ 400 no bolso."
Sem vínculos familiares, todas declararam que vão voltar. "É só o tempo de chegar a Belém, arrumar os R$ 300 da passagem de ônibus e encarar dois dias de viagem", diz Samantha, 17.
Em São Paulo desde novembro, ela foi submetida a uma cirurgia para mudança de sexo. Diz que mentiu a idade e fez a operação pelo SUS. "Ainda dói", conta ela, que toma hormônio feminino desde os nove anos.
A promotora Eliana Vendramini acompanha os casos e diz que é preciso refletir sobre as vidas destes adolescentes. "As famílias, a sociedade e o próprio Estado precisam aprender a lidar com a diversidade sexual", diz.


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