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SAÚDE NO TRABALHO
Falta de legislação permite que testes sejam feitos para verificar consumo de tóxico por empregado
Empresa vigia funcionário que usa droga
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
No vácuo da legislação trabalhista, pelo menos 300 empresas
brasileiras realizam testes toxicológicos no ambiente de trabalho.
Em geral, eles são feitos no processo de admissão ou por sorteio
aleatório entre os empregados.
A Embraer (indústria aérea), a
Esso do Brasil (petrolífera), a Caterpillar (metalurgia) e a Transportadora Americana são algumas das companhias que adotam
os testes em seus programas de
prevenção ao uso de drogas.
Dois laboratórios de São Paulo
-o da USP e o Maxilab- concentram a maioria das avaliações
feitas no país. O laboratório de
análises toxicológicas da USP fez
nos últimos três anos 10.130 testes
com material colhido (urina e cabelo) de funcionários de 227 empresas brasileiras, a maioria do setor de transporte rodoviário.
O Maxilab, laboratório privado
dirigido por dois professores da
USP, atende grandes firmas e analisou no mesmo período 37 mil
amostras recolhidas em 73 clientes. As empresas são responsáveis
pela coleta de material, feita com
kits enviados pelos laboratórios,
que custam cerca de R$ 75 cada.
Dessas 47.130 amostras, houve
em média 2% de casos positivos
(943). Nas análises da USP, 54%
consumiram maconha e 31%, cocaína. Anfetaminas e metanfetaminas respondem pelos 14,99%
restantes dos casos positivos.
No Maxilab, a maconha também é líder (55,5%), mas as anfetaminas são mais freqüentes
(27%) que a cocaína (17,5%) nos
testes que apontam consumo.
Os exames toxicológicos são polêmicos tanto do ponto de vista
jurídico como do médico. Advogados entendem que, na falta de
lei trabalhista que proíba a prática
desses exames, prevalecem os
princípios de legalidade e direito
do indivíduo à intimidade, à vida
privada e à imagem, previstos na
Constituição Federal. Ou seja, o
empregado faz o teste se quiser.
"Agindo dentro da legalidade,
ou seja, deixando a decisão a critério do funcionário e mantendo
o resultado em sigilo, não há problemas", afirma Marcelo Pereira
Gômara, advogado do grupo Tozzini Freire e Teixeira e Silva, que já
elaborou ao menos 20 pareceres
sobre o assunto a empresas.
Para a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), porém, os testes
geram constrangimento e, devido
à fragilidade dos contratos de trabalho e aos altos índices de desemprego no país [11,7% em janeiro, segundo o IBGE], os trabalhadores se sentem praticamente
coagidos a fazê-lo.
"É um falso moralismo [a não-obrigação legal do trabalhador de
fazer o exame]. Os testes exploram a necessidade que o trabalhador tem do emprego. Isso é espartano", diz Raimundo Cesar Brito,
secretário-geral da OAB nacional.
Gilda Almeida de Souza, secretária nacional de Políticas Sociais
da CUT (Central Única dos Trabalhadores), vai na mesma linha.
"É claro que o trabalhador que se
recusar a fazer o teste será de uma
forma ou de outra punido. Pode
até ser que utilizem outros mecanismos para mandá-lo embora,
mas a não-aceitação pode sim ser
motivo para demissão."
Já na área médica, o problema é
outro. Pelo código de ética, os resultados dos testes são sigilosos e
apenas o médico do paciente deveria ter acesso a eles.
Embora USP e Maxilab só aceitem amostras encaminhadas por
médicos sem identificação do
funcionário (o frasco com a urina
vem apenas com um número),
quando chegam às empresas, a
informação é compartilhada com
funcionários do RH, psicólogos e
a chefia direta do funcionário.
"Isso quebra o sigilo médico.
Vazar essas informações é uma
infração ética séria. É a mesma
coisa que não contratar uma pessoa por ela ser portadora do vírus
HIV", afirma Antônio Gonçalves
Pinheiro, conselheiro do CFM
(Conselho Federal de Medicina).
Na opinião do médico toxicologista Ovandir Alves Silva, diretor
científico do Maxilab e professor
de pós-graduação da USP, não há
razão para alarde. Ele afirma que,
pelo menos entre as empresas
clientes do laboratório, os testes
são feitos apenas quando existem
programas de prevenção ao uso
de drogas já consolidados.
"O objetivo é de ajuda, de tratamento, não de punição. As empresas encaram o teste toxicológico como parte da responsabilidade social que têm com os seus
funcionários. E os empregados
entendem isso", afirma Silva.
Não há estatísticas no Brasil que
relacionem acidentes de trabalho
à dependência química. Nos
EUA, estima-se que 65% desses
acidentes estejam ligados ao uso
de drogas ilícitas ou de álcool.
De acordo com o médico Ovandir Silva, um empregado sob influência de substâncias psicoativas está mais propenso a cometer
danos à sua própria vida, à de terceiros e ao patrimônio da empresa em razão da falta de concentração, do prejuízo dos reflexos, da
desatenção na utilização de equipamentos de segurança e da alteração do estado de humor.
Outra questão polêmica é sobre
a metodologia das análises. Segundo Regina Lúcia de Moraes
Moreau, do laboratório da USP,
um resultado positivo revela apenas o contato do indivíduo com
certa droga, mas não a quantidade consumida ou o lapso de tempo entre o consumo e a análise.
Algumas substâncias, como a
cocaína, podem permanecer detectáveis no organismo por até oito dias. A maconha, dependendo
da pureza da erva e da freqüência
do uso, por até 28 dias, afirma o
toxicologista Ovandir Silva.
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