São Paulo, segunda-feira, 07 de março de 2005

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Estudante pesquisou sugestões de médicos

Ayrton Vignola/Folha Imagem
H., que aos 28 anos decidiu interromper uma gravidez indesejada e procurou uma clínica particular; hoje ela tem uma filha de três anos


DA REPORTAGEM LOCAL

H. fazia mestrado em antropologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) quando se viu grávida, aos 28 anos. Tinha interrompido havia dois meses a pílula anticoncepcional e confiou na tabelinha. E na sorte. "Havia transado sem proteção outras vezes e nunca tinha engravidado. Achava que seria difícil acontecer."
Na época, ela vivia de bolsa de estudo, e o namorado -que, mais tarde, tornou-se o marido- morava em outra cidade. Com teste de gravidez positivo nas mãos, chegaram à mesma conclusão: não dava para ter o filho. "Fiquei triste. Até porque acho que, inconscientemente, eu queria engravidar. Mas tinha de investir na minha carreira, o namoro ainda era recente. Não titubeei."
A primeira preocupação do casal foi encontrar um local seguro para realizar o procedimento. H. fez primeiro uma pesquisa entre as amigas. "Temia as complicações. Conhecia algumas meninas que tiveram hemorragia e precisaram ir para o hospital fazer curetagem. Não queria isso."
Ao receber a indicação de um ginecologista que fazia abortos, ela e o namorado tomaram a decisão de, primeiro, conhecer o médico e a maneira como ocorreria a interrupção da gravidez. "Só depois disso é que me senti segura." O ginecologista ainda insistiu em perguntar se a decisão de abortar era um consenso entre eles. "Sim, não há dúvida", foi a resposta.
O casal decidiu "rachar" o valor do aborto. "Não lembro o preço, mas era uma grana alta. Raspamos as nossas economias." O procedimento, uma aspiração intra-uterina, foi feito na clínica do médico, com anestesia local. No mesmo dia, H. teve alta, sem nenhuma intercorrência.
Hoje, ela tem uma filha de três anos. Diz que não se arrepende do que fez no passado. "Foi uma decisão consciente e estudada. Sabia que eu seria mãe no momento que realmente desejasse. E foi o que aconteceu", conta.
H. se encaixa bem no perfil da mulher de classe média, com bom nível de escolaridade, que abortou com segurança. Casos como o dela jamais fizeram parte das estatísticas de atendimento do sistema público de saúde.
Em estudo feito em 1999, Martha Ramirez Galvez, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), da Unicamp, entrevistou universitárias da USP e da Unicamp que haviam passado por situações de aborto.
Concluiu que a maioria era bem informada sobre os seus direitos reprodutivos e que, ao optar pelo aborto, teve a preocupação de escolher um local seguro.
A participação ativa dos parceiros no processo de abortamento também a surpreendeu. "Eles vão comprar o Cytotec, ajudam a pesquisar clínicas", relata.
Outra conclusão da pesquisadora é que entre as estudantes avaliadas não havia o sentimento de negação da maternidade. "Elas tinham outros projetos de vida naquele momento. Queriam ser mães apenas na hora certa." (CC)


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