São Paulo, segunda-feira, 07 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

A mulher e sua pequena estrela

Descoberta a menor estrela conhecida. O achado ocorreu quando astrônomos investigavam outros planetas fora do Sistema Solar e detectaram uma estrela cuja luminosidade se reduzia quando outro corpo celeste bloqueava a passagem de sua luz.
Folha Online 4.mar.2005


8 de março: Dia Internacional da Mulher. Várias fontes

 

Não poderia haver casal mais estranho. Ele era grandalhão, enorme; ela, pequenina, magrinha. Ele tinha um vozeirão que fazia estremecer a casa; ela falava baixinho, quase sussurrando. Ele gostava de mandar e na empresa que dirigia era conhecido como um chefe autoritário. Ela, dona-de-casa, era tímida, modesta.
Os amigos se perguntavam como podia dar certo aquele casamento. A verdade, porém, é que as coisas entre eles pareciam funcionar, talvez porque ela fosse tão submissa. O fato é que estavam juntos havia mais de 20 anos, tinham filhos adolescentes e, pelo jeito, não pensavam em se separar. Ao contrário, estavam sempre juntos, sobretudo em festas, das quais ele gostava muito e onde sempre se destacava, inclusive porque gostava de organizar brincadeiras.
Num jantar com amigos, teve a idéia de um jogo, sem dúvida sugerida pelo fato de que o dono da casa era apaixonado por astronomia e até um telescópio tinha. Cada um deveria dizer o nome do corpo celeste, planeta ou estrela, com que mais se identificava. Depois, mediante votação -afinal aquele era um convívio democrático-, escolheriam o melhor. E assim, todos foram dizendo nomes de planetas e de estrelas: um, muito combativo, era Marte; outra, suave e afetiva, era Vênus. Quando chegou a vez do casal, ele, naturalmente, falou primeiro e não deixou por menos:
- Eu sou o Sol.
E aí, para a surpresa de todos, a esposa disse:
- Pois eu sou a Ursa Maior.
O marido olhou-a, bem-humorado:
- Não seja idiota, mulher. Ursa Maior não é estrela, é constelação. E, mesmo que fosse estrela, desde quando o adjetivo "maior" se aplica a você?
Todos riram. Menos ela. Porque alguma coisa tinha acontecido, naquele momento. Pela primeira vez dava-se conta de sua real inferioridade. Quando voltaram para casa, chorou muito, trancada no banheiro.
No dia seguinte, leu a notícia a respeito da menor estrela do universo. E aquilo foi um consolo. Sim, os astrônomos tinham achado a estrela que a ela correspondia. Agora poderia erguer os olhos para o céu, sabendo que, de algum lugar remoto do firmamento, uma minúscula estrela, a sua estrelinha, piscava para ela. Comemorando o Dia da Mulher, claro.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.


Texto Anterior: É dívida histórica, diz professora
Próximo Texto: Consumo: Funcionário público reclama de carro sem proteção no radiador
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.