São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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Espanha mantém expulsão e Brasil ameaça retaliar

Gestões simultâneas realizadas em Madri e Brasília não impediram veto à entrada dos dois estudantes de mestrado

Em nota oficial, Itamaraty disse que as medidas são incompatíveis com o bom nível do relacionamento entre os dois países

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O governo brasileiro explicitou ontem a possibilidade de adotar retaliações contra cidadãos espanhóis que chegam ao Brasil, depois que duas gestões simultâneas, em Brasília e em Madri, foram inúteis para impedir a "inadmissão" dos estudantes de mestrado Patrícia Rangel e Pedro Luiz Lima, que chegaram anteontem a Madri, a caminho de um congresso de sociologia em Lisboa.
Patrícia e Pedro Luiz, que são mestrandos do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), retornam hoje ao Brasil.
Em Brasília, o ministro interino do Exterior, Samuel Pinheiro Guimarães, convocou o embaixador da Espanha, Ricardo Peidró, para manifestar a inconformidade do governo brasileiro com o episódio.
Pinheiro Guimarães, que substitui o titular, Celso Amorim -em viagem à República Dominicana-, disse a Peidrós que "as medidas recentemente adotadas pelas autoridades imigratórias da Espanha são incompatíveis com o bom nível do relacionamento entre os dois países", conforme nota oficial do Itamaraty.
Em Madri, o embaixador do Brasil, José Viegas, disse mais ou menos a mesma coisa ao ministério espanhol de Relações Exteriores. Ouviu que a chancelaria faria "gestões internas" para evitar que se repetissem situações do gênero.
"Gestões internas" é a maneira de referir-se ao fato de que, embora a embaixada brasileira tenha que dialogar com o Ministério do Exterior espanhol, quem atua no aeroporto é a polícia, subordinada ao Ministério do Interior e pouco atenta ao nível de relações com o Brasil ou qualquer outro país.
As duas gestões deram em nada. "Eles confirmaram a expulsão", informava, à tarde, irritado, o embaixador Viegas.
Já a nota oficial do Itamaraty insinua represálias, ao dizer que "está examinando a adoção de medidas apropriadas em resposta ao ocorrido, tendo em conta, inclusive, o princípio da reciprocidade".
Em 2006, dois espanhóis, presos no Brasil por tráfico de drogas e de seres humanos, foram extraditados, a pedido da Espanha. Um terceiro, condenado por tráfico, foi transferido para cumprir pena em seu país.
Giovana Sanchez, repórter do site G1, das Organizações Globo, conseguiu falar por telefone com os dois jovens "inadmitidos" e ouviu um desabafo naturalmente irritado. "Foram os piores dias de minha vida. Eu não vou entrar nesse território nunca mais", disse Patrícia.
Para ela, o que há é "uma política para evitar a entrada de latinos". De fato, há uma presunção entre autoridades brasileiros e membros da comunidade brasileira na Espanha de que existe uma cota de latinos que devem ser barrados diariamente no aeroporto (a média de "inadmissões" no mês passado foi de 15 por dia).
Mas a cota se aplica a outras nacionalidades, e não é apenas na Espanha, já que as normas são européias.
O que pode ter havido, nos casos recentes (outra brasileira que iria a um Congresso em Lisboa foi barrada no mês passado), é um excesso de zelo por conta das eleições de domingo.
Imigração tornou-se um tema de campanha, a ponto de o candidato oposicionista, Mariano Rajoy (do conservador Partido Popular), ter dito: "Não cabemos todos" (os espanhóis e os imigrantes). O governo socialista poderia estar sendo mais inflexível para evitar perder eventualmente votos.
Pedro Luiz Lima disse ao G1: "A impressão que dá é que quando te pegam seu destino já está selado."
Tem razão. O processo é aleatório porque seria impraticável exigir que todo viajante que desembarca em Madri exiba a documentação pedida, como reserva paga de hotel, € 70 para cada dia de permanência, passagem de volta marcada. Faz-se uma seleção visual, em que jovens de ambos os sexos, mas principalmente mulheres jovens desacompanhadas, são suspeitos por definição.
O cônsul Gelson Fonseca não sabia ontem quantos outros brasileiros estavam na mesma situação porque as autoridades consulares só são informadas depois de concluída a investigação.


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