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Espanha mantém expulsão e Brasil ameaça retaliar
Gestões simultâneas realizadas em Madri e Brasília não impediram veto à entrada dos dois estudantes de mestrado
Em nota oficial, Itamaraty
disse que as medidas são incompatíveis com o bom nível do relacionamento entre os dois países
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O governo brasileiro explicitou ontem a possibilidade de
adotar retaliações contra cidadãos espanhóis que chegam ao
Brasil, depois que duas gestões
simultâneas, em Brasília e em
Madri, foram inúteis para impedir a "inadmissão" dos estudantes de mestrado Patrícia
Rangel e Pedro Luiz Lima, que
chegaram anteontem a Madri,
a caminho de um congresso de
sociologia em Lisboa.
Patrícia e Pedro Luiz, que são
mestrandos do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro), retornam
hoje ao Brasil.
Em Brasília, o ministro interino do Exterior, Samuel Pinheiro Guimarães, convocou o
embaixador da Espanha, Ricardo Peidró, para manifestar a inconformidade do governo brasileiro com o episódio.
Pinheiro Guimarães, que
substitui o titular, Celso Amorim -em viagem à República
Dominicana-, disse a Peidrós
que "as medidas recentemente
adotadas pelas autoridades
imigratórias da Espanha são incompatíveis com o bom nível
do relacionamento entre os
dois países", conforme nota oficial do Itamaraty.
Em Madri, o embaixador do
Brasil, José Viegas, disse mais
ou menos a mesma coisa ao ministério espanhol de Relações
Exteriores. Ouviu que a chancelaria faria "gestões internas"
para evitar que se repetissem
situações do gênero.
"Gestões internas" é a maneira de referir-se ao fato de
que, embora a embaixada brasileira tenha que dialogar com o
Ministério do Exterior espanhol, quem atua no aeroporto é
a polícia, subordinada ao Ministério do Interior e pouco
atenta ao nível de relações com
o Brasil ou qualquer outro país.
As duas gestões deram em
nada. "Eles confirmaram a expulsão", informava, à tarde, irritado, o embaixador Viegas.
Já a nota oficial do Itamaraty
insinua represálias, ao dizer
que "está examinando a adoção
de medidas apropriadas em
resposta ao ocorrido, tendo em
conta, inclusive, o princípio da
reciprocidade".
Em 2006, dois espanhóis,
presos no Brasil por tráfico de
drogas e de seres humanos, foram extraditados, a pedido da
Espanha. Um terceiro, condenado por tráfico, foi transferido
para cumprir pena em seu país.
Giovana Sanchez, repórter
do site G1, das Organizações
Globo, conseguiu falar por telefone com os dois jovens "inadmitidos" e ouviu um desabafo
naturalmente irritado. "Foram
os piores dias de minha vida. Eu
não vou entrar nesse território
nunca mais", disse Patrícia.
Para ela, o que há é "uma política para evitar a entrada de
latinos". De fato, há uma presunção entre autoridades brasileiros e membros da comunidade brasileira na Espanha de
que existe uma cota de latinos
que devem ser barrados diariamente no aeroporto (a média
de "inadmissões" no mês passado foi de 15 por dia).
Mas a cota se aplica a outras
nacionalidades, e não é apenas
na Espanha, já que as normas
são européias.
O que pode ter havido, nos
casos recentes (outra brasileira
que iria a um Congresso em
Lisboa foi barrada no mês passado), é um excesso de zelo por
conta das eleições de domingo.
Imigração tornou-se um tema de campanha, a ponto de o
candidato oposicionista, Mariano Rajoy (do conservador
Partido Popular), ter dito: "Não
cabemos todos" (os espanhóis e
os imigrantes). O governo socialista poderia estar sendo
mais inflexível para evitar perder eventualmente votos.
Pedro Luiz Lima disse ao G1:
"A impressão que dá é que
quando te pegam seu destino já
está selado."
Tem razão. O processo é aleatório porque seria impraticável
exigir que todo viajante que desembarca em Madri exiba a documentação pedida, como reserva paga de hotel, € 70 para
cada dia de permanência, passagem de volta marcada. Faz-se uma seleção visual, em que
jovens de ambos os sexos, mas
principalmente mulheres jovens desacompanhadas, são
suspeitos por definição.
O cônsul Gelson Fonseca
não sabia ontem quantos outros brasileiros estavam na
mesma situação porque as autoridades consulares só são informadas depois de concluída a
investigação.
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