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São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

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MOACYR SCLIAR

A portadora

Uma mulher que entrava para fazer visita a um preso foi flagrada com um telefone celular escondido na vagina, durante revista feita por duas agentes da penitenciária 3 do complexo Campinas-Hortolândia. O telefone estava enrolado em um preservativo. Cotidiano Online, 1º.abr.2003

Uma operação arriscada, segundo ela mesma reconhecia. Tinha tudo para fracassar, e não deu outra: tão logo começaram a revista, as agentes encontraram o celular na vagina dela. Ainda tentou enganá-las, dizendo que aquilo não era celular, que era um novo tipo de preservativo, tanto que estava dentro de uma camisinha. Pois então você vai ficar sem o seu preservativo, disse a funcionária, rindo. E acrescentou: assim você não corre o risco de seu parceiro discar um número errado aí dentro.
Desesperada, ela implorou para que pelo menos a deixassem visitar o preso e dar-lhe a notícia de que não poderia contar com o celular. A agente olhou-a e compadeceu-se da pobre moça: está bem, vá, mas bem rápido. E acrescentou: mas nunca mais traga coisas na vagina.
O namorado, que cumpria longa pena, ficou furioso com o acontecido. Você não passa de uma incompetente, resmungou, qualquer outra saberia como esconder o celular sem chamar a atenção. Ela ouvia, cabeça baixa, a custo contendo as lágrimas. Ele ficou em silêncio algum tempo, bufando de raiva. Depois, pegou um lápis e um papel, rabiscou um número de telefone e ordenou que transmitisse uma mensagem: como não tinha celular, não teria condições de ligar conforme o combinado. Feito o que, mandou-a embora, dizendo que desaparecesse por uns meses.
Ela saiu, ainda soluçando. Na frente da penitenciária, havia um telefone público e dali mesmo ela, obediente, fez a ligação.
Atendeu uma voz feminina, seca, rouca, mas muito sensual. Com quem estou falando, perguntou ela. Isso não lhe interessa, disse a voz, diga logo o que quer. Ela transmitiu o recado. Sem uma palavra, a interlocutora desligou.
A moça colocou o fone no gancho. Intrigada: quem seria aquela mulher? E mesmo ela, que não era muito brilhante, acabou por dar-se conta: era a outra. A outra, cuja existência ela, ingenuamente, se recusara a admitir, e com quem ele às vezes passava vários dias.
Mais uma vez fora usada. Não como objeto sexual, e sim como correio sexual. Transportara, de forma grotesca, o instrumento com o qual seria traída. E ainda por cima fora humilhada. Uma, duas, três vezes.
Ela não era uma mulher, concluiu. Era uma vagina, cercada de frustração por todos os lados. Uma vagina que nem sequer um celular abrigava.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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