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MOACYR SCLIAR
A portadora
Uma mulher que entrava para fazer
visita a um preso foi flagrada com
um telefone celular escondido na vagina, durante revista feita por duas
agentes da penitenciária 3 do complexo Campinas-Hortolândia. O telefone estava enrolado em um preservativo. Cotidiano Online,
1º.abr.2003
Uma operação arriscada,
segundo ela mesma reconhecia. Tinha tudo para fracassar, e não deu outra: tão logo começaram a revista, as agentes encontraram o celular na vagina
dela. Ainda tentou enganá-las,
dizendo que aquilo não era celular, que era um novo tipo de preservativo, tanto que estava dentro
de uma camisinha. Pois então você vai ficar sem o seu preservativo,
disse a funcionária, rindo. E
acrescentou: assim você não corre
o risco de seu parceiro discar um
número errado aí dentro.
Desesperada, ela implorou para
que pelo menos a deixassem visitar o preso e dar-lhe a notícia de
que não poderia contar com o celular. A agente olhou-a e compadeceu-se da pobre moça: está
bem, vá, mas bem rápido. E acrescentou: mas nunca mais traga
coisas na vagina.
O namorado, que cumpria longa pena, ficou furioso com o acontecido. Você não passa de uma incompetente, resmungou, qualquer outra saberia como esconder
o celular sem chamar a atenção.
Ela ouvia, cabeça baixa, a custo
contendo as lágrimas. Ele ficou
em silêncio algum tempo, bufando de raiva. Depois, pegou um lápis e um papel, rabiscou um número de telefone e ordenou que
transmitisse uma mensagem: como não tinha celular, não teria
condições de ligar conforme o
combinado. Feito o que, mandou-a embora, dizendo que desaparecesse por uns meses.
Ela saiu, ainda soluçando. Na
frente da penitenciária, havia um
telefone público e dali mesmo ela,
obediente, fez a ligação.
Atendeu uma voz feminina, seca, rouca, mas muito sensual.
Com quem estou falando, perguntou ela. Isso não lhe interessa,
disse a voz, diga logo o que quer.
Ela transmitiu o recado. Sem
uma palavra, a interlocutora
desligou.
A moça colocou o fone no gancho. Intrigada: quem seria aquela
mulher? E mesmo ela, que não
era muito brilhante, acabou por
dar-se conta: era a outra. A outra,
cuja existência ela, ingenuamente, se recusara a admitir, e com
quem ele às vezes passava vários
dias.
Mais uma vez fora usada. Não
como objeto sexual, e sim como
correio sexual. Transportara, de
forma grotesca, o instrumento
com o qual seria traída. E ainda
por cima fora humilhada. Uma,
duas, três vezes.
Ela não era uma mulher, concluiu. Era uma vagina, cercada
de frustração por todos os lados.
Uma vagina que nem sequer um
celular abrigava.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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