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TRÂNSITO
Venda deve bater a de autos em até 5 anos; motociclistas, ciclistas e pedestres vão liderar alta de 65% das vítimas até 2020
Moto conquista "sem-carro" e preocupa OMS
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
O arquiteto Marcos Donizete
Machado, 27, estava na faculdade
e trabalhava em dois lugares
quando, em 1998, se rendeu a
uma motocicleta. "Não tinha dinheiro para comprar um carro
nem tempo para ir de ônibus."
Machado faz parte de um grupo
de "sem-carro" que aderiu de forma crescente a essa modalidade
de transporte, num fenômeno
que se tornou uma das maiores
preocupações da segurança do
trânsito não só no Brasil como
nos demais países em desenvolvimento -conforme constará de
relatório da OMS (Organização
Mundial da Saúde) que será apresentado oficialmente hoje.
Não faltam motivos para esse
alerta -não apenas por ser um
dos veículos mais perigosos e poluentes, mas pela forte tendência
de expansão, tanto em centros urbanos como na zona rural.
A venda anual de motocicletas
no mercado brasileiro aumentou
1.148% desde 1993 -de 68 mil para 848 mil. No prazo de três a cinco anos, deve superar a de automóveis, que tiveram 1,17 milhão
de unidades comercializadas em
2003, alta de 29% em dez anos.
Em 2010, as viagens diárias de
moto terão crescido de 310% a
375% em relação a 2000, dependendo dos avanços da economia
do país, contra um salto entre
19,8% e 36,1% no caso dos carros.
Essas projeções são de Eduardo
Alcântara Vasconcellos, diretor-executivo-adjunto da ANTP (Associação Nacional de Transportes
Públicos) que participou do comitê do relatório da OMS.
A entidade elegeu a segurança
viária como tema do Dia Mundial
da Saúde de 2004, depois de levantar que há 1,2 milhão de mortos -e de 20 milhões a 50 milhões
de feridos- em acidentes de
trânsito no mundo anualmente.
A OMS, em seu relatório, põe
motociclistas, ciclistas e pedestres
como os grupos mais vulneráveis
que poderão liderar a elevação de
65% das vítimas do trânsito até
2020, caso não sejam adotadas
novas políticas de prevenção. Nos
países mais pobres, esse salto pode passar de 80% em 20 anos.
O estudo da OMS tem em sua
abertura um texto do presidente
Lula. O Brasil é citado como um
dos lugares cujas taxas de mortalidade no trânsito se aproximam da
média de países africanos.
Hoje será lançado um manifesto pela paz no trânsito, assinado
por mais de cem entidades, pedindo "mudanças radicais", como a proibição da fabricação de
veículos que desenvolvam velocidades acima de 120 km/h.
Vasconcellos diz que a "asianização do trânsito" (referência à
presença maciça das motocicletas
na Ásia) ganha força onde a população tem renda mais baixa
porque, além de ser fonte de emprego (no Brasil, para motoboys e
mototaxistas), elas têm sido uma
alternativa barata para "driblar" a
crise de mobilidade e a ineficiência do transporte público.
"Se você mandar eu ir de ônibus, não chego. Eu gasto R$ 1, R$
2 ou R$ 3 por dia com gasolina.
Mas vou muito mais rápido", afirma Regina Maria Vicente Correia,
50, que se tornou uma motoboy
nos anos 90 e hoje trabalha com
confecção de roupas -mas continua se deslocando de moto.
Uma pesquisa da ANTP feita
em 2002 reforça essas declarações: numa viagem média de sete
quilômetros em grandes centros
urbanos, os usuários de moto gastavam R$ 0,60, contra R$ 1,20 dos
de ônibus e R$ 1,80 dos de automóvel. E chegavam mais rápido:
16 minutos, contra 43 minutos e
20 minutos, respectivamente.
"O que eu gastava era imperceptível", diz Michel Boczko, 26,
engenheiro que comprou uma
moto por não ter dinheiro para
trocar de automóvel.
A Abraciclo (associação dos fabricantes de motocicletas), que
prevê 1,5 milhão de unidades vendidas anualmente antes de 2010,
afirma que há modelos zero-quilômetro por menos de R$ 4.000 e
consórcios com prestações mensais de R$ 90 -valores que seriam multiplicados por quatro
para a compra de um automóvel.
Pesquisas com usuários feitas
pela associação apontaram: se,
em 1992, 68% diziam já ter um
carro, em 2002 esse índice era de
35%; e saltaram de 9% para 55%
os que diziam ter como objetivo
substituir os ônibus ou metrô.
Medições da Cetesb mostraram
que, em 2003, a emissão de monóxido de carbono por uma moto
nova era de 6,25 gramas por quilômetro rodado -contra 0,43
grama dos automóveis novos.
Esses índices já foram maiores
-beiravam 20 gramas até
2002- e há um acordo com os fabricantes para uma redução, com
a instalação de catalisadores e injeção eletrônica até 2009.
Na cidade de São Paulo, em
1997, as motocicletas representavam 7,5% da frota e 10,8% das
mortes no trânsito. Em 2003, esses índices atingiam 8,3% e
29,5%, respectivamente. De cada
100 acidentes com motos, há vítimas em 71. Para automóveis, essa
proporção é de 7 para 100.
Boczko diz que caiu e quebrou
seu braço logo no primeiro dia em
que usou a moto. Em novembro,
ganhou um carro do pai, que andava preocupado. "Agora a moto
fica mais na garagem."
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