São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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TRÂNSITO

Venda deve bater a de autos em até 5 anos; motociclistas, ciclistas e pedestres vão liderar alta de 65% das vítimas até 2020

Moto conquista "sem-carro" e preocupa OMS

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto Marcos Donizete Machado, 27, estava na faculdade e trabalhava em dois lugares quando, em 1998, se rendeu a uma motocicleta. "Não tinha dinheiro para comprar um carro nem tempo para ir de ônibus."
Machado faz parte de um grupo de "sem-carro" que aderiu de forma crescente a essa modalidade de transporte, num fenômeno que se tornou uma das maiores preocupações da segurança do trânsito não só no Brasil como nos demais países em desenvolvimento -conforme constará de relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) que será apresentado oficialmente hoje.
Não faltam motivos para esse alerta -não apenas por ser um dos veículos mais perigosos e poluentes, mas pela forte tendência de expansão, tanto em centros urbanos como na zona rural.
A venda anual de motocicletas no mercado brasileiro aumentou 1.148% desde 1993 -de 68 mil para 848 mil. No prazo de três a cinco anos, deve superar a de automóveis, que tiveram 1,17 milhão de unidades comercializadas em 2003, alta de 29% em dez anos.
Em 2010, as viagens diárias de moto terão crescido de 310% a 375% em relação a 2000, dependendo dos avanços da economia do país, contra um salto entre 19,8% e 36,1% no caso dos carros.
Essas projeções são de Eduardo Alcântara Vasconcellos, diretor-executivo-adjunto da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) que participou do comitê do relatório da OMS.
A entidade elegeu a segurança viária como tema do Dia Mundial da Saúde de 2004, depois de levantar que há 1,2 milhão de mortos -e de 20 milhões a 50 milhões de feridos- em acidentes de trânsito no mundo anualmente.
A OMS, em seu relatório, põe motociclistas, ciclistas e pedestres como os grupos mais vulneráveis que poderão liderar a elevação de 65% das vítimas do trânsito até 2020, caso não sejam adotadas novas políticas de prevenção. Nos países mais pobres, esse salto pode passar de 80% em 20 anos.
O estudo da OMS tem em sua abertura um texto do presidente Lula. O Brasil é citado como um dos lugares cujas taxas de mortalidade no trânsito se aproximam da média de países africanos.
Hoje será lançado um manifesto pela paz no trânsito, assinado por mais de cem entidades, pedindo "mudanças radicais", como a proibição da fabricação de veículos que desenvolvam velocidades acima de 120 km/h.
Vasconcellos diz que a "asianização do trânsito" (referência à presença maciça das motocicletas na Ásia) ganha força onde a população tem renda mais baixa porque, além de ser fonte de emprego (no Brasil, para motoboys e mototaxistas), elas têm sido uma alternativa barata para "driblar" a crise de mobilidade e a ineficiência do transporte público.
"Se você mandar eu ir de ônibus, não chego. Eu gasto R$ 1, R$ 2 ou R$ 3 por dia com gasolina. Mas vou muito mais rápido", afirma Regina Maria Vicente Correia, 50, que se tornou uma motoboy nos anos 90 e hoje trabalha com confecção de roupas -mas continua se deslocando de moto.
Uma pesquisa da ANTP feita em 2002 reforça essas declarações: numa viagem média de sete quilômetros em grandes centros urbanos, os usuários de moto gastavam R$ 0,60, contra R$ 1,20 dos de ônibus e R$ 1,80 dos de automóvel. E chegavam mais rápido: 16 minutos, contra 43 minutos e 20 minutos, respectivamente.
"O que eu gastava era imperceptível", diz Michel Boczko, 26, engenheiro que comprou uma moto por não ter dinheiro para trocar de automóvel.
A Abraciclo (associação dos fabricantes de motocicletas), que prevê 1,5 milhão de unidades vendidas anualmente antes de 2010, afirma que há modelos zero-quilômetro por menos de R$ 4.000 e consórcios com prestações mensais de R$ 90 -valores que seriam multiplicados por quatro para a compra de um automóvel.
Pesquisas com usuários feitas pela associação apontaram: se, em 1992, 68% diziam já ter um carro, em 2002 esse índice era de 35%; e saltaram de 9% para 55% os que diziam ter como objetivo substituir os ônibus ou metrô.
Medições da Cetesb mostraram que, em 2003, a emissão de monóxido de carbono por uma moto nova era de 6,25 gramas por quilômetro rodado -contra 0,43 grama dos automóveis novos.
Esses índices já foram maiores -beiravam 20 gramas até 2002- e há um acordo com os fabricantes para uma redução, com a instalação de catalisadores e injeção eletrônica até 2009.
Na cidade de São Paulo, em 1997, as motocicletas representavam 7,5% da frota e 10,8% das mortes no trânsito. Em 2003, esses índices atingiam 8,3% e 29,5%, respectivamente. De cada 100 acidentes com motos, há vítimas em 71. Para automóveis, essa proporção é de 7 para 100.
Boczko diz que caiu e quebrou seu braço logo no primeiro dia em que usou a moto. Em novembro, ganhou um carro do pai, que andava preocupado. "Agora a moto fica mais na garagem."


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