São Paulo, quinta-feira, 07 de abril de 2005

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"Achava que só matavam vagabundo", diz irmão

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Pelo menos parte das vítimas da chacina de 31 de março em Queimados e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, conhecia os militares apontados como supostos autores dos crimes.
Dois dos quatros rapazes mortos dentro do lava-a-jato Shock Car, de Queimados -o dono do estabelecimento, Luiz Jorge Barbosa Rodrigues, 27, e o primo dele, Fábio Vasconcelos, 28- não só conheciam os acusados como, em conversas com amigos, defendiam o modo de agir dos policiais para manter a ordem na Baixada.
""Eles (os suspeitos pelos crimes) é que botavam a lei por aqui, mas sempre achamos que só matavam vagabundos. Meu irmão dizia que só morriam os que deviam, mas ele era um trabalhador e agora está morto", lamentava ontem Alan Vasconcelos, irmão de Fábio, uma das vítimas.
A mãe de Fábio, Maria da Penha Custódio, 58, criou os cinco filhos em Queimados. A história dele, pelo relato da mãe, é parecida com as das demais vitimas: trabalhou desde criança para ajudar a família, vivia de fazer biscates, tinha uma namorada, uma filha de nove anos de uma relação desfeita e estava construindo uma casa sobre a laje da mãe, onde pretendia viver depois de casado.
Nos últimos meses, Fábio trabalhava numa construção no centro de Queimados. Era o responsável pela obra e tinha um pequeno grupo trabalhando para ele. No dia do crime, tinha ido pagar um dos trabalhadores - cunhado do dono do lava-a-jato. ""Morreu com o dinheiro no bolso", diz Maria Custódio. Ela também supõe que os assassinos fossem conhecidos das vítimas.
Luiz Jorge Barbosa Rodrigues, proprietário do lava-a-jato, ficou órfão de pai aos seis anos. A mãe, Lúcia Helena Barbosa Rodrigues, 48, criou sozinha os quatro filhos. Segundo ela, Luiz também começou a trabalhar em criança e só estudou até a quinta série.
Vendeu frutas na feira, trabalhou numa loja de conserto de bicicleta, abriu uma borracharia em Engenheiro Pedreira (no município vizinho de Japeri) e há dois anos abriu o lava-a-jato. Era casado com a empregada doméstica Roseli, 26, e deixou um filho, que, repetindo a história do pai, está órfão aos seis anos.
A terceira vítima que estava no lava-a-jato, Wagner Oliveira da Silva, 25, era mais um que vivia de biscates e estava construindo uma casa para si em cima da laje da casa da mãe. Os vizinhos o descreveram como um sujeito brincalhão, que passava a maior parte do tempo de bermudas e chinelos, como os demais rapazes sem emprego fixo de Queimados.
Conhecido pelo apelido de Bocão, foi um dos dois fotografados mortos sobre o sofá no lava-a-jato. O outro era Márcio Joaquim Martins, 26, conhecido como Bilica. Os pais dele estão traumatizados com o crime. A mãe foi atendida ontem em um hospital, e o pai disse não ter condição emocional para dar entrevista, limitando-se a dizer que era trabalhador e bom filho.

Medo
Desde a chacina, as ruas de Queimados estão vazias à noite. Os jovens evitam sair de casa, temendo novos atentados. De acordo com os moradores, até as igrejas fecham as portas assim que terminam os cultos.
Hoje, às 19h, haverá um culto ecumênico em Queimados, em memória das 30 vítimas da chacina, que será presidido pelo bispo de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamini.
A igreja teme que o ato ecumênico seja esvaziado pelo medo da população. Ontem, os padres das quatro paróquias de Queimados convocaram os fieis para o ato, a ocorrer no bairro Campo da Banha, onde dois adolescentes e três adultos foram mortos.


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