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"Achava que só matavam vagabundo", diz irmão
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Pelo menos parte das vítimas da
chacina de 31 de março em Queimados e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, conhecia os militares apontados como supostos
autores dos crimes.
Dois dos quatros rapazes mortos dentro do lava-a-jato Shock
Car, de Queimados -o dono do
estabelecimento, Luiz Jorge Barbosa Rodrigues, 27, e o primo dele, Fábio Vasconcelos, 28- não
só conheciam os acusados como,
em conversas com amigos, defendiam o modo de agir dos policiais
para manter a ordem na Baixada.
""Eles (os suspeitos pelos crimes) é que botavam a lei por aqui,
mas sempre achamos que só matavam vagabundos. Meu irmão
dizia que só morriam os que deviam, mas ele era um trabalhador
e agora está morto", lamentava
ontem Alan Vasconcelos, irmão
de Fábio, uma das vítimas.
A mãe de Fábio, Maria da Penha
Custódio, 58, criou os cinco filhos
em Queimados. A história dele,
pelo relato da mãe, é parecida
com as das demais vitimas: trabalhou desde criança para ajudar a
família, vivia de fazer biscates, tinha uma namorada, uma filha de
nove anos de uma relação desfeita
e estava construindo uma casa sobre a laje da mãe, onde pretendia
viver depois de casado.
Nos últimos meses, Fábio trabalhava numa construção no centro
de Queimados. Era o responsável
pela obra e tinha um pequeno
grupo trabalhando para ele. No
dia do crime, tinha ido pagar um
dos trabalhadores - cunhado do
dono do lava-a-jato. ""Morreu
com o dinheiro no bolso", diz
Maria Custódio. Ela também supõe que os assassinos fossem conhecidos das vítimas.
Luiz Jorge Barbosa Rodrigues,
proprietário do lava-a-jato, ficou
órfão de pai aos seis anos. A mãe,
Lúcia Helena Barbosa Rodrigues,
48, criou sozinha os quatro filhos.
Segundo ela, Luiz também começou a trabalhar em criança e só estudou até a quinta série.
Vendeu frutas na feira, trabalhou numa loja de conserto de bicicleta, abriu uma borracharia em
Engenheiro Pedreira (no município vizinho de Japeri) e há dois
anos abriu o lava-a-jato. Era casado com a empregada doméstica
Roseli, 26, e deixou um filho, que,
repetindo a história do pai, está
órfão aos seis anos.
A terceira vítima que estava no
lava-a-jato, Wagner Oliveira da
Silva, 25, era mais um que vivia de
biscates e estava construindo uma
casa para si em cima da laje da casa da mãe. Os vizinhos o descreveram como um sujeito brincalhão, que passava a maior parte
do tempo de bermudas e chinelos,
como os demais rapazes sem emprego fixo de Queimados.
Conhecido pelo apelido de Bocão, foi um dos dois fotografados
mortos sobre o sofá no lava-a-jato. O outro era Márcio Joaquim
Martins, 26, conhecido como Bilica. Os pais dele estão traumatizados com o crime. A mãe foi atendida ontem em um hospital, e o
pai disse não ter condição emocional para dar entrevista, limitando-se a dizer que era trabalhador e bom filho.
Medo
Desde a chacina, as ruas de
Queimados estão vazias à noite.
Os jovens evitam sair de casa, temendo novos atentados. De acordo com os moradores, até as igrejas fecham as portas assim que
terminam os cultos.
Hoje, às 19h, haverá um culto
ecumênico em Queimados, em
memória das 30 vítimas da chacina, que será presidido pelo bispo
de Nova Iguaçu, Dom Luciano
Bergamini.
A igreja teme que o ato ecumênico seja esvaziado pelo medo da
população. Ontem, os padres das
quatro paróquias de Queimados
convocaram os fieis para o ato, a
ocorrer no bairro Campo da Banha, onde dois adolescentes e três
adultos foram mortos.
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