São Paulo, quinta-feira, 07 de junho de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Quero que você diga àquele..."

"Como se explica a ocorrência de crase em "àquele" e "àqueles"?", perguntam os leitores

É MELHOR NÃO terminar a frase, que, indicam os registros, foi dita por um dos tantos parlamentares que meteram pés e mãos na lama da história recente do país. O destinatário do recado da nobre figura era o presidente da República.
Que relação tem esse recado com a coluna? Vamos lá: você notou o acento grave em "àquele", não? Pois bem. Nas duas colunas anteriores, tratei de alguns casos do emprego do acento indicador de crase. Inúmeros leitores escreveram para perguntar como se explica a ocorrência do acento indicador de crase em "àquele" e "àqueles". "Se são palavras masculinas, como se explicam esses casos?", perguntaram os leitores.
Voltemos ao ponto de partida: "crase" significa "fusão", "mistura". Em gramática, quando se fala de crase, fala-se da fusão de duas vogais iguais. No português moderno, a crase se restringe ao caso em que a preposição "a" se funde com um segundo "a", que, na maior parte dos casos (o que não quer dizer sempre), é o artigo definido feminino "a".
Na frase do nobre parlamentar ("Quero que você diga àquele..."), não ocorre fusão da preposição "a" com o artigo "a". Também não ocorre crase antes de palavra masculina. O que ocorre então? Ocorre crase (ou seja, fusão) da preposição "a", regida pelo verbo "dizer" ("dizer a alguém"), com a letra "a" inicial do pronome demonstrativo "aquele".
Esse fenômeno pode ocorrer com o "a" inicial de "aquele", "aquela", "aqueles", "aquelas" e "aquilo". Posto isso, vamos ao que conta, ou seja, às suas conseqüências práticas desse emprego do acento grave. Quem lê uma frase que comece com algo como "Àqueles que..." certamente não espera que essa expressão introduza o sujeito -desde que note a presença do acento grave em "àqueles". Digo isso porque nesses casos vale a lei da "maioria x minoria". Explico: como a forma "aqueles" é muito mais comum do que "àqueles", é normal que passemos "batidos" pelo acento grave, ou seja, que, num primeiro momento, leiamos "àqueles" como se fosse "aqueles", o que altera radicalmente a expectativa sobre a continuação da frase. Percebido o equívoco, as coisas se ajeitam.
Agora leia com atenção: "Àqueles que o ofendem e perseguem e fingem não entender seu verdadeiro pensamento convém dizer que...". Percebeu o que ocorre se não se percebe o acento indicador de crase em "àqueles"? Agora leia isto: "Aqueles que o ofendem e perseguem e fingem não entender seu verdadeiro pensamento valem-se de toda sorte de sofismas e farisaísmos para justificar seus delírios". As coisas ficaram/estão claras?
Antes que me esqueça, convém lembrar que a contração da preposição "a" com o "a" inicial de "aquele/s", "aquela/s" e "aquilo" não é obrigatória, embora seja mais do que predominante. Tradução: se você quiser, pode perfeitamente trocar "Diga àquele rapaz que não faça isso" por "Diga a aquele rapaz que...". Também pode trocar "Peça àquela moça que me responda logo" por "Peça a aquela moça...".
E "àquilo"? Vamos direto a um exemplo: "Acrescia a veste sacra do sacerdote, que dava àquilo um ar de solenidade e consagração" (Machado, "Helena", citado no "Aurélio"). Parece claro, não? É isso.

inculta@uol.com.br


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