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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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MOACYR SCLIAR

Arte bacteriana

 Bactéria restaura cores de afresco medieval na Itália . Restauradores de arte salvaram um dos maiores afrescos medievais da Itália com a ajuda de um aliado inesperado: a bactéria Pseudomonas stutzeri. Eles trabalharam em um afresco de Aretino; uma tentativa de restauração entre os séculos 14 e 15 deixou a pintura embaçada com um tipo de cola resistente aos abrasivos normalmente usados para a limpeza. A P. stutzeri "comeu "80% dessa cola, revelando cores e figuras antes desconhecidas. "A bactéria nos salvou", disse Clara Baracchini, superintendente de cultura da cidade.
Ciência Online, 25.jun.03

A notícia de que uma bactéria tinha salvo uma obra-prima provocou grande excitação no mundo artístico. Pedidos vieram de numerosos países: muitos restauradores queriam culturas do germe milagroso, que, felizmente, se reproduzia com facilidade e não exigia cuidados especiais. Em incontáveis museus e coleções particulares, a bactéria foi aplicada a antigas obras de arte, sempre com excelentes resultados.
Aí ocorreu algo surpreendente. Um dos colecionadores deu uma entrevista dizendo que a bactéria não apenas tinha avivado as cores de um quadro do grande Rafael, como também fizera aparecer nesse mesmo quadro a figura de uma criança. Uma figura absolutamente nova, garantia o homem; o quadro fora radiografado antes do procedimento e os peritos podiam atestar que, previamente, não houvera ali criança alguma. Tratava-se de criação 100% original. E não foi a única. Outros museus, outros colecionadores informaram que o mesmo tinha acontecido em seus quadros. Mais: um restaurador aplicou a bactéria a uma tela em branco. Duas semanas depois surgiu ali um quadro em inegável estilo renascentista: ninfas e um pastor à beira de um lago.
Os microbiologistas consultados não sabiam o que dizer. Aparentemente havia uma espécie de condicionamento das bactérias que, eliminando corantes previamente absorvidos, produziam figuras artísticas, seguindo, de forma obscura, um padrão artístico que de algum modo haviam incorporado. Fosse ou não válida a explicação, o fato é que se tratava de novidade; tão sensacional que um grande museu de Nova York decidiu organizar uma exposição da chamada arte bacteriana. "O único problema", comentou um jornalista, "é que os artistas não poderão estar presentes à vernissage. Ou, se estiverem, não poderão distribuir sorrisos e cumprimentos".
Único problema? Não. Alertada por uma denúncia anônima, a polícia prendeu um terrorista que havia conseguido se infiltrar no museu. Em poder do homem foram encontrados vários frascos de antibiótico com os quais pretendia, evidentemente, liquidar as bactérias-artistas. Propósito que francamente admitiu. Neste mundo cruel, disse, não há lugar para qualquer tipo de arte. Nem mesmo a arte produzida por anônimas bactérias.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.

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