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MOACYR SCLIAR
Arte bacteriana
Bactéria restaura cores de afresco
medieval na Itália . Restauradores
de arte salvaram um dos maiores
afrescos medievais da Itália com a
ajuda de um aliado inesperado: a
bactéria Pseudomonas stutzeri. Eles
trabalharam em um afresco de Aretino; uma tentativa de restauração
entre os séculos 14 e 15 deixou a pintura embaçada com um tipo de cola
resistente aos abrasivos normalmente usados para a limpeza. A P. stutzeri "comeu "80% dessa cola, revelando
cores e figuras antes desconhecidas.
"A bactéria nos salvou", disse Clara
Baracchini, superintendente de cultura da cidade.
Ciência Online,
25.jun.03
A notícia de que uma
bactéria tinha salvo uma
obra-prima provocou grande excitação no mundo artístico. Pedidos vieram de numerosos países:
muitos restauradores queriam
culturas do germe milagroso, que,
felizmente, se reproduzia com facilidade e não exigia cuidados especiais. Em incontáveis museus e
coleções particulares, a bactéria
foi aplicada a antigas obras de arte, sempre com excelentes resultados.
Aí ocorreu algo surpreendente.
Um dos colecionadores deu uma
entrevista dizendo que a bactéria
não apenas tinha avivado as cores de um quadro do grande Rafael, como também fizera aparecer nesse mesmo quadro a figura
de uma criança. Uma figura absolutamente nova, garantia o homem; o quadro fora radiografado
antes do procedimento e os peritos podiam atestar que, previamente, não houvera ali criança
alguma. Tratava-se de criação
100% original. E não foi a única.
Outros museus, outros colecionadores informaram que o mesmo
tinha acontecido em seus quadros. Mais: um restaurador aplicou a bactéria a uma tela em
branco. Duas semanas depois
surgiu ali um quadro em inegável
estilo renascentista: ninfas e um
pastor à beira de um lago.
Os microbiologistas consultados
não sabiam o que dizer. Aparentemente havia uma espécie de
condicionamento das bactérias
que, eliminando corantes previamente absorvidos, produziam figuras artísticas, seguindo, de forma obscura, um padrão artístico
que de algum modo haviam incorporado. Fosse ou não válida a
explicação, o fato é que se tratava
de novidade; tão sensacional que
um grande museu de Nova York
decidiu organizar uma exposição
da chamada arte bacteriana. "O
único problema", comentou um
jornalista, "é que os artistas não
poderão estar presentes à vernissage. Ou, se estiverem, não poderão distribuir sorrisos e cumprimentos".
Único problema? Não. Alertada
por uma denúncia anônima, a
polícia prendeu um terrorista que
havia conseguido se infiltrar no
museu. Em poder do homem foram encontrados vários frascos de
antibiótico com os quais pretendia, evidentemente, liquidar as
bactérias-artistas. Propósito que
francamente admitiu. Neste
mundo cruel, disse, não há lugar
para qualquer tipo de arte. Nem
mesmo a arte produzida por anônimas bactérias.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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