São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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MOACYR SCLIAR

Fome de amor


Magoada, ela quis saber por que ele a recusava. Ele acabou confessando: você é gordinha, disse ele  


Um estudo da universidade inglesa de Newcastle, publicado no "British Journal of Psychology", mostra que a fome pode mudar o gosto dos homens na hora de escolher que mulheres eles acham atraentes. A pesquisa, feita com 61 estudantes universitários, descobriu que os que estavam com o estômago vazio achavam mulheres gordinhas mais atraentes do que aqueles que estavam saciados. Os homens com fome também prestavam menos atenção à forma e às curvas femininas. Dos estudantes que participaram do estudo, 30 estavam chegando ao refeitório da universidade para almoçar e 31 estavam saindo, depois de fazer a refeição. Eles tiveram que dar uma nota para 50 mulheres de pesos variados, todas fotografadas usando roupas de ginástica justas de cor cinza. Os homens com fome deram notas melhores para as mulheres gordinhas do que os que haviam se alimentado. Folha Online, 30 de julho

ELA NÃO ERA das que escondem sua paixão, das que sofrem em silêncio. Ao contrário, acreditava em ir à luta, em conquistar o amado. O amado era Pedro, colega de faculdade. Amado de muitas, aliás. Pedro era um rapaz bonito, inteligente, culto, sofisticado; o namorado ideal. As moças enxameavam ao redor dele.
De alguma maneira, e apesar da concorrência, ela conseguiu aproximar-se do Pedro. Marcou um encontro, sob o pretexto de discutirem um trabalho que ambos deveriam apresentar. Foi ao pequeno apartamento onde ele morava sozinho. Conversaram sobre o tal trabalho, mas de súbito ela, possuída de paixão, arremessou-se sobre ele: sou sua, Pedro, toda sua, possua-me.
Para sua surpresa, ele resistiu à investida. Resistiu com calma, mas com firmeza: contenha-se, você está fazendo uma bobagem. Magoada, ela quis saber por que ele a recusava. Hesitando um pouco, ele acabou confessando: você é gordinha, disse.
E aí explicou que tinha um trauma em relação às gordinhas. Uma coisa talvez ligada à própria mãe, que era gorda e que sempre o oprimira. De qualquer modo, só namorava garotas magras, magérrimas, de preferência. Portadoras de anorexia nervosa eram as suas preferidas.
Ela o ouviu em silêncio. Porque, de fato, para magra ela não dava. Com um metro e sessenta de altura, pesava quase noventa quilos. Pelos critérios do rapaz, estava irremediavelmente rejeitada. Despediu-se, em lágrimas, e foi para casa.
E aí, um recado do Destino. No jornal daquele dia estava a notícia sobre um trabalho científico, mostrando que homens esfomeados preferem as gordinhas.
De imediato, um plano esboçou-se em sua mente. Ela precisava fazer o Pedro passar fome, muita fome. Como? Pagaria a um marginal qualquer para seqüestrá-lo e mantê-lo em cativeiro por cinco, seis dias. Sem comida. Água sim, comida não. E ela, supostamente, seria a sua libertadora. Por conta própria investigaria o seqüestro, chegaria ao local onde ele estava e o libertaria. A primeira pessoa que Pedro veria seria ela. E então, além da gratidão, ela poderia contar com a fome, que a tornaria inevitavelmente atraente. Ele cairia nos braços dela e seriam felizes para sempre.
Um plano que nunca pôs em prática. Por uma simples razão. Sabia o que ele diria depois. Ele diria: "Olhei para você, amada, e vi uma imensa galinha assada, deitada numa travessa e esperando por mim".
O que ela não poderia suportar. A fome do amor faz milagres. Mas alguns não são muito agradáveis.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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