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MOACYR SCLIAR
Fome de amor
Magoada, ela quis saber por que ele a recusava. Ele acabou confessando: você
é gordinha, disse ele
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Um estudo da universidade inglesa de
Newcastle, publicado no "British Journal of Psychology", mostra que a fome
pode mudar o gosto dos homens na hora
de escolher que mulheres eles acham
atraentes. A pesquisa, feita com 61 estudantes universitários, descobriu que os
que estavam com o estômago vazio achavam mulheres gordinhas mais atraentes
do que aqueles que estavam saciados. Os
homens com fome também prestavam
menos atenção à forma e às curvas femininas. Dos estudantes que participaram
do estudo, 30 estavam chegando ao refeitório da universidade para almoçar e 31
estavam saindo, depois de fazer a refeição. Eles tiveram que dar uma nota para
50 mulheres de pesos variados, todas fotografadas usando roupas de ginástica
justas de cor cinza. Os homens com fome
deram notas melhores para as mulheres
gordinhas do que os que haviam se alimentado. Folha Online, 30 de julho
ELA NÃO ERA das que escondem
sua paixão, das que sofrem
em silêncio. Ao contrário,
acreditava em ir à luta, em conquistar o amado. O amado era Pedro, colega de faculdade. Amado de muitas,
aliás. Pedro era um rapaz bonito, inteligente, culto, sofisticado; o namorado ideal. As moças enxameavam
ao redor dele.
De alguma maneira, e apesar da
concorrência, ela conseguiu aproximar-se do Pedro. Marcou um encontro, sob o pretexto de discutirem
um trabalho que ambos deveriam
apresentar. Foi ao pequeno apartamento onde ele morava sozinho.
Conversaram sobre o tal trabalho,
mas de súbito ela, possuída de paixão, arremessou-se sobre ele: sou
sua, Pedro, toda sua, possua-me.
Para sua surpresa, ele resistiu à investida. Resistiu com calma, mas
com firmeza: contenha-se, você está
fazendo uma bobagem. Magoada,
ela quis saber por que ele a recusava.
Hesitando um pouco, ele acabou
confessando: você é gordinha, disse.
E aí explicou que tinha um trauma
em relação às gordinhas. Uma coisa
talvez ligada à própria mãe, que era
gorda e que sempre o oprimira. De
qualquer modo, só namorava garotas magras, magérrimas, de preferência. Portadoras de anorexia nervosa eram as suas preferidas.
Ela o ouviu em silêncio. Porque,
de fato, para magra ela não dava.
Com um metro e sessenta de altura,
pesava quase noventa quilos. Pelos
critérios do rapaz, estava irremediavelmente rejeitada. Despediu-se,
em lágrimas, e foi para casa.
E aí, um recado do Destino. No
jornal daquele dia estava a notícia
sobre um trabalho científico, mostrando que homens esfomeados
preferem as gordinhas.
De imediato, um plano esboçou-se em sua mente. Ela precisava fazer
o Pedro passar fome, muita fome.
Como? Pagaria a um marginal qualquer para seqüestrá-lo e mantê-lo
em cativeiro por cinco, seis dias.
Sem comida. Água sim, comida não.
E ela, supostamente, seria a sua libertadora. Por conta própria investigaria o seqüestro, chegaria ao local
onde ele estava e o libertaria. A primeira pessoa que Pedro veria seria
ela. E então, além da gratidão, ela
poderia contar com a fome, que a
tornaria inevitavelmente atraente.
Ele cairia nos braços dela e seriam
felizes para sempre.
Um plano que nunca pôs em prática. Por uma simples razão. Sabia o
que ele diria depois. Ele diria: "Olhei
para você, amada, e vi uma imensa
galinha assada, deitada numa travessa e esperando por mim".
O que ela não poderia suportar. A
fome do amor faz milagres. Mas alguns não são muito agradáveis.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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