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ANÁLISE
A FAVOR
Dissipando a nuvem de fumaça
VERA LUIZA DA COSTA E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
QUANDO uma lata de
sardinha ou um sorvete infectados causam
doenças ou matam seus consumidores, eles são imediatamente retirados do mercado
-e não vemos a sociedade debater o fato ou reagir como se
houvessem tirado seus direitos.
É simples proteção da saúde
pública. Se autoridades não agirem, aí se torna legítima uma
reação do público, exigindo a
proteção do bem comum.
Com a fumaça dos cigarros, a
coisa deveria ser igual. A comprovação, por uma centena de
estudos em populações e em lugares diferentes, de que a exposição à fumaça causa doenças
em crianças e adultos não fumantes expostos é irrefutável.
Também é mais do que conhecido que espaços reservados a fumantes e sistemas de
ventilação especiais não funcionam. Mas, algumas pessoas
preferem olhar para seu umbigo, pensar nos seus "direitos",
esquecendo o direito alheio.
Quem disse que impor a um
garçom conviver entre fumaça
de cigarro e adoecer é um discurso social adequado?
Fácil fazer firula com a vida
alheia com base em uma filosofia mal colocada e egoísta de direitos humanos. Pior, os "defensores" da lógica do prazer
acabam caindo na armadilha
do discurso falacioso da indústria, defendendo o direito do
capital, o do poder econômico,
e não o do ser humano.
Existe uma nuvem de fumaça
entre o discurso e a realidade.
Ela foi criada no decorrer do século passado pelas estratégias
de marketing da indústria fumageira, que não tem interesse
em que se normatize o consumo de produtos de tabaco.
A indústria fumageira financia e usa grupos -como associações de bares, restaurantes e
hotelaria- para que defendam
o indefensável. Será que é a essa
indústria, que comercializa um
produto que mata um em cada
dois consumidores regulares,
que devemos proteger?
Nada de fumódromos, nada
de bares intoxicados, de quartos com cheiro de fumaça e pisos queimados. Proteção, sim,
mas para quem precisa dela,
para quem trabalha, para quem
não pode escolher.
No final, todos ganham. Ganham os garçons, as recepcionistas, os cozinheiros, as atendentes, os motoristas, enfim a
parte mais indefesa dessa cadeia produtiva que vai adoecer
menos e ter mais conforto ao
trabalhar. Ganham as crianças
que passam a sofrer menos de
asma, bronquite e infeções pulmonares e respiratórias. E que
vão respirar ar mais puro.
Que os fumantes que assim o
queiram continuem fumando
-é direito de cada um. Que fumem como quiserem e quando
quiserem. Mas não onde quiserem -esse é o direito coletivo
que deve prevalecer sobre o individual. É disso que se trata.
Simples assim.
Vera Luiza da Costa e Silva é médica, doutora em
saúde pública, ex-coordenadora do Programa de
Prevenção do Câncer (do Inca) e ex-diretora da
Iniciativa por um Mundo sem Tabaco (da OMS)
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