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ANÁLISE
CONTRA
As freiras feias sem Deus
LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA
O QUE MOVE as pessoas,
em meio a tantos problemas, a dedicar tamanha energia para reprimir o
uso do tabaco? Resposta: o impulso fascista moderno.
Proteger não fumantes do tabaco em espaços públicos fechados é justo. Minha objeção
contra esta lei se dá em outros
dois níveis: um mais prático e
outro mais teórico.
O prático diz respeito ao fato
de ela não preservar alguns
poucos bares e restaurantes livres para fumantes, sejam eles
consumidores ou trabalhadores do setor. E por que não?
Porque o que move o legislador,
o fiscal e o dedo-duro é o gozo
típico das almas mesquinhas e
autoritárias. Uma espécie de
freiras feias sem Deus.
O teórico fala de uma tendência contemporânea, que é o
triste fato de a democracia não
ser, como pensávamos, imune à
praga fascista.
A tendência da democracia à
lógica tirânica da saúde já havia
sido apontada por Tocqueville
(século 19). Dizia o conde francês que a vocação puritana da
democracia para a intolerância
para com hábitos "inúteis" a levaria a odiar coisas como o álcool e o tabaco, entre outras
possibilidades.
Odiaremos comedores de
carne? Proprietários de dois
carros? Que tal proibir o tabaco
em casa em nome do pulmão
do vizinho? Ou uma campanha
escolar para estimular as crianças a denunciar pais fumantes?
Toda forma de fascismo caminhou para a ampliação do controle da vida mínima. As freiras
feias sem Deus gozariam com a
ideia de crianças tão críticas
dos maus hábitos.
A associação do discurso
científico ao constrangimento
do comportamento moral, via
máquina repressiva do Estado,
é típica do fascismo. Se comer
carne aumentar os custos do
Ministério da Saúde, fecharemos as churrascarias? Crianças
diagnosticadas cegas ainda no
útero significariam uma economia significativa para a sociedade. Vamos abortá-las sistematicamente? O eugenista, o
adorador da vida cientificamente perfeita, não se acha autoritário, mas, sim, redentor da
espécie humana.
E não me venha dizer que no
"Primeiro Mundo" todo o
mundo faz isso, porque não sou
um desses idiotas colonizados
que pensam que o "Primeiro
Mundo" seja modelo de tudo.
Conheço o "Primeiro Mundo"
o suficiente para não crer em
bobagens desse tipo.
O que essas freiras feias sem
Deus não entendem é que o que
humaniza o ser humano é um
equilíbrio sutil entre vícios e
virtudes. E, quando estamos
diante de neopuritanos, de santos sem Deus, os vícios é que
nos salvam. Não quero viver
num mundo sem vícios. E quero vivê-lo tomando vinho, vendo o rosto de uma mulher linda
e bêbada em meio à fumaça
num bistrô.
Luiz Felipe Pondé é colunista da Ilustrada
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