São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2010

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MINHA HISTÓRIA ROGERIO PAEZ, 54

4 gramas e 7 anos depois

Viajei o mundo para surfar (...) Fiquei maluco ao ser preso (...) Caí na mão de um advogado abutre (...) O budismo me salvou

Roberto Maldonado - 23.out.2004/ Folhapress
Rogerinho Rock n’Roll, como Paez é conhecido, no presídio de Kerobokan; ele está há sete anos detido por porte de drogas

RESUMO
Preso há sete anos na Indonésia após ser flagrado com haxixe, o brasileiro Rogerio Paez, 54, será libertado no início de 2011. Ele foi condenado a 11 anos de prisão, mas acabou beneficiado com remissão de pena. Surfista, Paez fala sobre o pesadelo de viver encarcerado do outro lado do mundo e atribui a sua sobrevivência ao budismo, que conheceu e pratica na prisão.
RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO

Estou preso na Indonésia há sete anos, desde 10 de julho de 2003. Fui parado numa blitz em Bali. A polícia achou um cigarro de haxixe de 3,8 gramas no bolso.
Depois, os policiais foram à minha casa e não acharam nada. Aí, foram num hotel onde fui antes da blitz, revistaram o lugar e encontraram haxixe, cocaína e ecstasy.
Só que nada era meu! Mas os policiais queriam que eu assinasse a culpa. Tomei chute, tapa. Nunca briguei na vida, mas, de tanto apanhar, reagi. Puxei para cima o braço do policial que batia mais e quebrei-o. Ele gritou e disse que me arrependeria daquilo. Era o chefão deles.

CONDENAÇÃO
No julgamento, o advogado que contratei prometeu que a pena seria pequena.
Fui condenado a três anos de prisão. Na apelação, a pena subiu pra nove. Apelei de novo e me deram 11! Caí na mão de um abutre. Fui roubado em uns US$ 80 mil.
Fiquei maluco. Pensava: o que eu tô fazendo aqui?
Sou engenheiro civil, falo oito línguas, amo esportes, viajei o mundo para surfar. Sou de Niterói. Não sou santo. Usei cocaína pela primeira vez aos 17 anos, no Peru. Mas nunca fui bandido.
Cheguei a Bali há uns dez anos e me apaixonei pelas ondas, pela cultura e pela Leslie, uma australiana com quem me casei depois.
Fui preso numa fase ótima da vida. Estava com uma imobiliária em Bali, já era o terceiro do mercado no aluguel de casas para temporada. A Leslie tinha um restaurante. Aí a gente se separou.
Na prisão, me revoltei. Tentei fugir quando estava em Kerobokan [prisão em Bali; hoje ele está noutro presídio]. Um conhecido fez entrar uma serrinha dentro da prisão. Serrei as grades da cela, mas me pegaram antes de eu pular o muro e escapar.
Fiquei 47 dias na solitária, no escuro, de cueca. Me colocaram numa torre onde estavam os três terroristas de Bali [que explodiram uma casa noturna em 2002; 202 pessoas morreram]. Os terroristas mataram um monte de gente; e eu estava ali por causa de 3,8 gramas de haxixe!
Na minha cela tinha a "cela do rato", um buraco do vaso sanitário e a borda cheia de fezes secas. Aí fiz xixi, as fezes amoleceram e começou a sair ratazana de lá.
Nesse tempo, um líder budista que eu conheci na prisão me mandou um texto. Acendi uma vela para ler no escuro. Era um texto que fala sobre vida nova. Ler aquilo mudou minha vida. O budismo me fez renascer.
Ficar aqui preso foi uma lição de humildade e compaixão. Foi um tapa na cara. Nós, brasileiros classe média, reclamamos de tudo. Os pais brasileiros estragam os filhos por excesso de amor.
Aqui lavo o chão, agradeço pela comida, pela vida, porque vejo gente muito pior que eu condenada à morte.
Fico numa cela grande, de 4 m por 5 m, com mais um preso. Tenho um colchonete, TV, máquina de arroz. Não como muito a comida da prisão, não. É sempre uma sopa, um arroz sem gosto. Peço para comprarem na cidade.

CARMA
Violência aqui na prisão não tem, não. Porque não tem ladrãozinho de galinha.
O que questiono é o poder do Judiciário porque não há coerência nas sentenças.
Na prisão de Bali conheci um inglês preso com 12 mil comprimidos de ecstasy que contratou um bom advogado e pegou quatro anos.
Na mesma semana, um indonésio foi preso por portar 1/4 de um comprimido de ecstasy e, como não tinha dinheiro nenhum, pegou quatro anos e meio.
Por isso o budismo me salvou a vida, porque, se eu não acreditasse em carma e não me acalmasse com meditação, teria ficado louco ou explodido de raiva, o que, óbvio, só iria piorar as coisas.
Hoje eu namoro a Mônica, brasileira que vive na Austrália. Ela também era de Niterói. Retomamos o contato e começamos a namorar. Ela já veio me visitar. Vamos casar.
Minha sentença acaba em 21 de maio. Eu poderia sair quatro meses antes se pagasse US$ 22 mil, o que não tenho. Espero sair em fevereiro ou março [O Itamaraty confirma]. Agora estou perto do fim desse pesadelo.


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