São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2011

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BICHOS

SÍLVIA CORRÊA - correa-silvia@uol.com.br

Donos medrosos, cães briguentos


"Os cães são nosso espelho. Eles captam nossas emoções mesmo quando nós não as percebemos"

LÁ EM casa o estrago já está feito: Mel Katita e Dodivânia, minhas vira-latas mais velhas, não podem nem sentir o cheiro uma da outra. Elas se odeiam tão mortalmente que cumprem sempre o mesmo ritual: quando acordam ou chegam do passeio, correm para o portão que separa os pátios em que vivem e latem furiosamente, olhando pela fresta da madeira e mirando a sombra da adversária.
A meu favor tenho a dizer que as meninas chegaram antes de eu ter conhecimentos mínimos sobre as boas práticas da criação de cães. No primeiro encontro, elas mediram forças -entre si e comigo- e, claro, ganharam. É bem verdade que não repeti o erro com os outros. Mas, com as duas, não é nada fácil reverter anos de condicionamento equivocado. E o problema não são elas. Sou eu.
"Os cães baseiam seu modo de agir em nossa maneira de proceder. Se nós não agirmos como líderes da matilha, eles tentarão preencher esse papel." A frase tapa-na-cara é de Cesar Millan, especialista que cuida de nove entre dez cães das celebridades hollywoodianas. Millan costuma dizer que reabilita cães e treina pessoas. No meu caso, faltou treinamento.
Eu me lembro bem do dia em que Mel e Dodi se viram pela primeira vez. Tinha resgatado Dodi da rua e levei Mel, a primogênita, para conhecê-la na clínica em que ela estava internada. Entrei segurando fortemente Mel pela guia. Passei a mão em sua cabeça e pedi que fosse uma boa menina. Para Mel, o recado era claro: aquela era uma zona de perigo tão iminente que até eu estava nervosa.
Dodi saiu do canil, elas se cheiraram e... se atracaram. Desesperada, em vez de separá-las e submeter uma à companhia da outra, peguei Mel no colo, apertei bem forte seu corpinho contra o meu peito e fechei Dodi no canil.
"Os cães são nosso espelho. Eles captam nossas emoções, mesmo quando nós mesmos não as percebemos. A linguagem dos cães e de todos os animais é a da energia. Se estamos tensos, eles ficam tensos", diz Millan.
Vestida a carapuça, concluí que a convivência entre Mel e Dodivânia seria impraticável e fiz uma reforma na garagem para criar um novo quintal, levar Dodi para casa e mantê-la longe de Mel. Tudo errado.
Felizmente, a gente aprende com os erros. De lá para cá, a casa recebeu muitos novos moradores e todos foram introduzidos de forma bem diferente na matilha -aliás, nas matilhas, porque Mel e Dodi criaram suas gangues e ensinaram os comparsas a latir pelo portão.
Achados na rua, os recém-chegados foram soltos no quintal de sopetão, com supervisão à distância e umas esguichadas de água quando a brincadeira ficava mais violenta. Deu certo. E apesar das diferenças de tamanho, nunca se machucaram.
Só não arrisquei a estratégia com Pompom, meu adorável pit bull. Ele mora num terceiro pátio e só chega perto dos outros na hora do passeio -de focinheira e na guia. Acho que soltá-los juntos faria minha tensão transbordar e dificilmente a história terminaria bem. Sim, porque a gente melhora, exercita o autocontrole, mas ninguém muda da água para o vinho.


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