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DANUZA LEÃO
Uma perda
Seria tão bom se, no lugar de morrer, elas pegassem um avião para fazer uma viagem bem longa e não voltassem
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EU TINHA uma amiga doente há
muito tempo; há alguns meses teve que fazer mais uma
operação e ficou claro que ia morrer
-e em pouco tempo. Sem perceber,
fui me habituando à idéia de sua
morte. Quando ela aconteceu, já estava tão preparada que não derramei uma lágrima; me senti uma pessoa fria e sem sentimentos. Ela era
minha melhor e mais antiga amiga.
O tempo foi passando, eu lembrava dela com freqüência, mas era como se ela tivesse viajado. Não conseguia -como não consigo ainda-
pensar nela como alguém que morreu. Não fui visitá-la no hospital e
disse, pelo telefone, que não ia por
não querer vê-la em condições desfavoráveis, digamos assim, e que iria
quando ela estivesse de novo bonita
e alegre como sempre foi. Não me
senti culpada de não ter ido, porque
se fosse eu a doente, detestaria que
alguém me visse nas tais condições
desfavoráveis -vocês me entendem. Junte-se a isso minha covardia, claro.
Ela morreu, e a ficha foi caindo aos
poucos. Tão aos poucos que às vezes
ainda pego o telefone e começo a ligar para ela e só depois dos primeiros números discados me dou conta
de que ela não existe mais. E a cada
vez fico mais triste. É uma tristeza
que foi chegando aos poucos, e que
só faz aumentar. E mais uma vez não
consigo compreender a vida nem
aceitar a morte.
Há os que dizem que vida e morte
são uma coisa só, mas não entendo
como alguém que um dia está falando, rindo, comendo, pensando, andando, correndo, brincando, no dia
seguinte pode não existir mais. Dizem que o que não existe mais é só o
corpo, mas isso é difícil de entender.
Para mim não melhora em nada
lembrar dos bons momentos que
passamos juntas, das risadas que demos, do quanto nos divertíamos o
dia inteiro na praia, dos conselhos
que dávamos uma à outra na hora de
escolher entre um namorado e outro. Eu queria mesmo era poder falar com ela agora, mesmo que fosse
para rir menos e mais para trocar
nossas aflições, mas não posso. Ela
não existe mais.
Isso pode acontecer com qualquer
pessoa de quem gostamos (e conosco também, claro): de um dia para o
outro, desaparecer. Seria tão bom se,
no lugar de morrer, elas pegassem
um avião para fazer uma viagem
bem longa e nunca mais voltassem.
A gente sentiria saudades, com o
tempo as saudades iriam diminuindo, e um dia nos esqueceríamos de
que elas haviam existido e sido tão
importantes em nossa vida, mas
não. Temos que passar por toda a
tristeza do final, lembrando e não
entendendo.
Eu tive uma outra amiga que umas
duas semanas depois de morrer seus
dois filhos convidaram seus mais
próximos para uma happy hour no
apartamento em que ela morava; a
casa estava cheia das flores de que
ela mais gostava e fotos pela casa inteira. As pessoas lembraram histórias divertidas e brindaram com
champanhe a alegria que ela deu a
todos. Não houve lágrimas nem tristeza, e depois foram todos para casa
se sentindo privilegiados por terem
compartilhado de uma vida tão rica.
Seria bom se isso virasse um hábito, mas seria possível? Quando a dor
é muito funda, é difícil. E a morte,
nos países latinos, massacra os que
ficam. É proibido não sofrer, e fica
melhor na foto quem sofrer mais. Se
a viúva se debater querendo ser enterrada junto com o marido, aí o sucesso é total. Porque há muito de
exibição nessas horas, e se o morto é
famoso e houver fotógrafos e câmeras de televisão, aí o espetáculo ganha muito.
Mas por que eu estou falando de
tanta coisa triste? O Natal está chegando, o Ano Novo, depois o Carnaval, a hora é de alegria.
Acho que é porque eu pensei na
minha amiga e fiquei imaginando
como vai ser o primeiro Natal dos filhos sem ela, e isso me entristeceu
muito.
Desculpem tanta tristeza, leitores.
danuza.leao@uol.com.br
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