São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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ENTREVISTA

Congresso inédito da Apae trata da velhice e da deficiência mental

DA REPORTAGEM LOCAL

Algumas décadas atrás, os deficientes mentais viviam 30 anos no máximo. Em geral, eram cuidados pelos pais, que viviam tempo suficiente para conviver com eles.
O cenário hoje é bastante diferente, começando com uma notícia boa: os deficientes estão vivendo muito mais, graças a novos medicamentos e a conhecimentos sobre as doenças que os acometem. Acreditava-se, anteriormente, que a própria deficiência mental reduzia os anos de vida.
A outra notícia não é tão boa assim: nem a família, nem a escola, nem as instituições, nem o governo estão preparados para conviver com o envelhecimento dos doentes mentais.
Esse desafio é o tema do 1º Congresso Brasileiro sobre Envelhecimento e Deficiência Mental, que será realizado entre os dias 12 e 15 deste mês, em São Paulo. O simpósio, primeiro do gênero na América Latina, é promovido pelo Instituto Apae, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
Segundo dados do Censo 2000, o país tem quase 14,5% de deficientes, ou 24,5 milhões de pessoas vivendo com alguma deficiência. Metade deles seriam deficientes mentais e cerca de 60% estariam em processo de envelhecimento. Como antes eles viviam bem menos, aqueles com mais de 30 anos já estão incluídos em grupos de idosos. Isso significa que mais de 5 milhões de pessoas no Brasil já estariam vivendo hoje o que os diretores da Apae chamam de "exclusão em dobro".
"São excluídos por serem idosos e são excluídos porque são deficiente mentais", diz Edgilson Tavares, coordenador do Instituto Apae de São Paulo.
Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à Folha:

 

Folha - Por que os deficientes mentais estão vivendo mais hoje?
Edgilson Tavares -
Antes se acreditava que o deficiente morria em decorrência de sua própria deficiência. Hoje, sabe-se que ele morria por doenças que o acometiam com mais freqüência, as cardiopatias, por exemplo. As pesquisas, novos tratamentos e cuidados preventivos fizeram com que, por exemplo, um paciente com síndrome de Down, que antes vivia 30 anos, hoje chegue aos 60 anos ou mais.

Folha - Em princípio, isso é bom.
Tavares -
Sim, mas ninguém está preparado para cuidar desse idoso. Os pais envelhecem juntos. As escolas não formam profissionais para lidar com esse paciente. Esses idosos vão necessitar de um cuidador, que, além de preparado profissionalmente, deverá ser custeado pela Previdência ou seguridade social. Diferentemente desse cenário, sabemos de muitas famílias que não têm condições de cuidar de seus deficientes e os mantêm fechados dentro de casa, às vezes amarrados a um móvel.

Folha - O senhor falou que há uma exclusão em dobro.
Tavares -
É isso mesmo. Quando criança, o deficiente mental é discriminado na escola, quando adulto, será discriminado no trabalho. Quando o paciente envelhece, é excluído por ser idoso e por ser deficiente.

Folha - O que é possível fazer?
Tavares -
O maior desafio é preparar a família e informar a sociedade, de maneira que essa inclusão possa ocorrer desde criança. Essa foi a preocupação do congresso de Oviedo, ano passado, na Espanha, o segundo no mundo a tratar de envelhecimento e deficiência mental. O congresso chamou o envelhecimento dos deficientes mentais de "emergência silenciosa", porque é isso mesmo. Com o envelhecimento da população, aprender e preparar a inclusão dos deficientes mentais é uma urgência.
A Apae de São Paulo já trabalha com um grupo de "idosos", de 30 a 57 anos. O Instituto Apae, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo, criou no ano passado um grupo de estudos sobre envelhecimento e deficiência mental. O congresso desta semana é outro grande avanço.
A Apae de São Paulo atende por dia cerca de 1.400 pessoas. As outras 2.000 Apaes que atuam no Brasil atendem cerca de 360 mil pessoas. Pode parecer muito, mas considerando o número de deficientes mentais do país, vê-se que a grande maioria continua sem assistência alguma. (AB)


Mais informações pelo tel. 0/xx/11/ 5080-7007 ou 7061


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