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Delegado é ligado a 2 empresas
e controla 3.773 seguranças
MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local
Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira acorda em seu apartamento
de R$ 700 mil nos Jardins, pega
seu Volvo 9600 VCB preto de R$
40 mil e vai para a empresa de sua
família, instalada em sede de sete
andares. O prédio, avaliado em R$
750 mil, está em seu nome.
Seria a rotina de um empresário
bem-sucedido não fosse um detalhe: Oliveira é delegado de polícia,
pago para cuidar da segurança pública, mas enriqueceu com a falta
dela. Está ligado a duas empresas
de segurança privada, a Vanguarda e a Nacional.
Oliveira não está sozinho -é só
o maior dos empresários-policiais.
Levantamento de três meses feito
pela Folha revela que 11 delegados
de polícia e 4 PMs de São Paulo
têm empresas de segurança em
seus nomes ou de parentes.
A Folha levantou a documentação das empresas e os bens de seus
sócios em 39 cartórios -28 em
São Paulo e 11 em cidades do interior como Morungaba, Cajamar e
até Palmeira d'Oeste, a cerca de
650 km da capital (veja quadro à
pág. 3-2). Foram reunidos 3,6 quilos de documentos.
Há pelos menos duas dúvidas
quando policiais decidem explorar um negócio que se alimenta da
deterioração da segurança: uma
ética e outra legal.
A dúvida ética é óbvia: é lícito
que profissionais pagos pelo Estado para cuidar da segurança pública lucrem com a falta dela?
"Isso é imoral", diz o deputado
federal Tuga Angerami (PSDB-
SP), autor de um projeto de lei que
pune com prisão policiais envolvidos com empresas de segurança.
A questão legal é controversa: o
estatuto do funcionalismo proíbe
o funcionário público de "exercer, mesmo nas horas de folga,
qualquer outro emprego ou função", exceto dar aulas. Mas há
uma brecha: ele pode ter ações ou
cotas de uma empresa desde que
não participe da gerência.
É nessa fresta legal, que separa o
sócio que não põe a mão na massa
daquele que toca o negócio, que os
policiais atuam. Todos os pesquisados dizem que estão ajudando
um negócio da família, que não
gerenciam a empresa.
Não é bem assim. A Folha ligou
para seis empresas que não estão
em nome dos policiais e em cinco
delas a telefonista informava que o
delegado era diretor ou dono do
negócio. Todos os telefonemas foram gravados.
Lucro da insegurança
O Volvo preto e o apartamento
de R$ 700 mil do primeiro parágrafo não estão lá por acaso. Eles
simbolizam um traço comum aos
policiais que exploram negócios
de segurança privada: todos têm
bens que não conseguiriam acumular com o salário.
Paulo Sergio Oppido Fleury, delegado de 2ª classe, cargo cujo salário máximo é de R$ 4.827,35, teria de trabalhar sete anos sem gastar um centavo para comprar a casa avaliada em R$ 450 mil em que
vive em Alphaville, condomínio
da Grande São Paulo.
Joffre Belfort de Andrade Sandin, delegado da corregedoria, órgão encarregado de investigar irregularidades na Polícia Civil, tem
uma casa avaliada em R$ 350 mil
no Morumbi, um dos bairros mais
valorizados de São Paulo. O salário máximo de delegados de sua
classe, a especial, é de R$ 5.661,69.
Sandin é sócio da Belfort junto
com a mulher. É o mais graduado
entre os empresários-policiais. Já
foi delegado-seccional de Santo
Amaro -era o responsável pelo
conjunto de delegacias que atende
a região mais violenta de São Paulo. Quando abriu o negócio de segurança, em abril de 1990, Sandin
era o delegado do Parque Santo
Antônio, um dos campeões em
homicídios em São Paulo.
Não é só em regiões miseráveis e
violentas que delegados descobrem esse tipo de negócio. No extremo oposto, nas regiões ricas, isso também ocorre.
Ivaney Cayres de Souza, que foi
delegado do 78º DP (Jardins), teve
uma empresa em seu nome, a Pollus, entre 90 e 97. Semana passada, a telefonista informava que ele
continuava dono do negócio.
Em 1996, a empresa faturou R$
12,6 milhões. Hoje, ela tem cerca
de 1.200 vigilantes. Em novembro
do ano passado, ele transferiu a
empresa para dois sócios.
Oliveira, o delegado do Volvo
preto, diz que seria equivocado
atribuir seu patrimônio aos rendimentos de delegado.
"Não nego que tenho empresa.
Não dá para vincular o meu patrimônio com meu salário de polícia", diz. "Estou no ramo de segurança desde 1979, antes de ser delegado." Ele tornou-se delegado
em 1984. Antes, era da PF (Polícia
Federal), categoria proibida de ter
negócios.
Oliveira não diz quanto ganha,
mas um delegado de 2ª classe recebe R$ 4.827,35. Com duas empresas em nome das irmãs, ele controla 3.773 vigilantes -514 a mais
do que a Polícia Militar tem na zona sul, a região mais violenta de
São Paulo.
Privatização da polícia
Lucro, sabe-se desde Calvino
(1509-1565), não é pecado. O desvio dos policiais que têm interesses em empresas de segurança seria desvirtuar as funções da polícia, segundo o coronel José Vicente da Silva Filho, que assessorou a
Secretaria de Segurança de São
Paulo no governo de Mário Covas
até o ano passado.
"Todo mundo sabe que essas
empresas usam carros e homens
da polícia. É uma situação vexatória para quem está tentando colocar ordem na polícia", diz Silva Filho.
José Boaventura, presidente da
Confederação Nacional dos Vigilantes, diz que o uso de carros e
homens da polícia pelas empresas
de segurança é uma prática disseminada pelo país.
"É um tipo de privatização da
polícia. Todos pagam pelo serviço
do policial, mas só alguns se beneficiam", diz Boaventura.
O delegado Délcio Silmar Sampaio, um dos sócios da Security,
que presta serviços para o Grupo
Folha, confirma que o expediente
é usado pelas empresas.
"Tem empresas que usam viaturas da polícia. Nós não fazemos
isso", conta.
Colaborou Iran Nonato, motoboy da Folha
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