|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LEIS
Judiciário decide partir
para decisões inusitadas
EUNICE NUNES
especial para a Folha
Decisões judiciais inusitadas
e polêmicas têm
sido cada vez
mais frequentes
no Judiciário
brasileiro. Elas
refletem uma
tendência de transformação na
mentalidade e, portanto, na forma
de decidir dos juízes.
Embora lento, é um processo
que vem crescendo desde 1988,
quando foi promulgada a atual
Constituição.
Não é um movimento coordenado e uniforme. Mas é perceptível
em decisões que privilegiam a
Constituição e a realidade social,
em vez de se restringirem à interpretação literal da lei.
Enquadram-se nesse padrão,
por exemplo, as decisões que têm
autorizado o aborto em caso de
grave anomalia fetal que impossibilite a vida do feto fora do útero
materno (leia texto abaixo).
É o caso também de decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF)
que absolveu um encanador acusado de ter estuprado uma menina
de 12 anos, porque ela confessou
ter concordado em manter relações sexuais com ele.
Segundo o Código Penal, manter
relação sexual com mulher menor
de 14 anos é crime de estupro, mesmo que não tenha havido violência. Nesse caso, a lei considera a
violência e, por conseguinte, o estupro, presumidos.
``A lei é ponto de partida, não de
chegada. O juiz tem o poder/dever
de completar a lei no momento de
sua aplicação ao caso concreto. A
Justiça conduzida dessa maneira
livra-se das tecnicalidades e vai ao
ponto essencial. É muito bom que
os juízes estejam percebendo isso'', diz Dalmo de Abreu Dallari,
advogado e professor de teoria geral do Estado na USP (Universidade de São Paulo).
Lafaiete Pussoli, advogado e professor de filosofia do direito na
PUC-SP (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo), tem a mesma opinião.
Pussoli acredita que a transformação em curso é benéfica, pois
confere maior legitimidade ao Poder Judiciário.
Não se trata de julgar contra a lei
ou de acordo com os critérios pessoais de Justiça do juiz, mas de interpretar a lei à luz da Constituição, dos costumes e dos princípios
gerais do direito.
Segundo Dallari, é preciso acabar com o vício de considerar direito e lei sinônimos. Há valores
sociais que levam ao reconhecimento de um direito, mesmo que
ele não esteja previsto na lei. Ele
lembra que o direito à vida só foi
reconhecido em lei na atual Constituição embora já existisse.
``O juiz precisa fazer uma releitura da lei, sempre à luz da Constituição e da realidade social. Não
pode mais submeter-se cegamente
a uma legislação injusta. Afinal, temos tribunais de Justiça, não de legalidade'', afirma o juiz Urbano
Ruiz, presidente da Associação
Juízes para a Democracia.
No entanto é preciso cuidado para não cometer arbitrariedades,
sob pena de causar insegurança e
criar uma ditadura do Judiciário.
Para que isso não aconteça, o juiz
precisa conhecer bem todo o ordenamento jurídico, de forma a
construir novas interpretações
com base nele e sem sair dele.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|