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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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Porta-voz considera incômodo cumprir o papel de polícia e descarta subida das tropas federais aos morros cariocas

Exército vê sua imagem ameaçada no Rio

Leo Correa/Agência "O Dia"
Moradores no protesto que tentou parar a Linha Vermelha


IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Exército foi "pego de surpresa" pelo pedido de envio de tropas às ruas do Rio, ocorrido numa "época muito ingrata", e vê risco à sua imagem caso tenha que seguir cumprindo o papel de polícia -que, constitucionalmente, não lhe compete nem lhe apetece.
A avaliação é do chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, general Augusto Heleno Pereira, em entrevista à Folha.
Aos 55 anos, 37 deles na Força, Pereira diz, porém, que o Exército pode e deve ajudar com apoio logístico e de intercâmbio de inteligência com as polícias estaduais. "Tem que haver um planejamento para modificar esse panorama da segurança pública, é um grande anseio da população mudar o status do crime organizado."
O general deixa claro o desconforto com a situação atual. ""Não é a primeira vez que vamos às ruas no Rio", diz, lembrando a visita do papa João Paulo 2º em 1997 e a Eco-92, "mas eram episódios com período determinado, uma situação diferente do emprego, de uma hora para a outra, numa situação de crise, sem nenhuma preparação anterior, até logística".
"Fomos pegos de surpresa e colocados na rua. Não é nossa função primordial, nem nossa vocação", disse, descartando que possa haver operações nos morros. "Não temos interesse nisso."
Quanto à imagem do Exército, Pereira não esconde a preocupação. ""De um certo ponto de vista, é um orgulho para nós [serem lembrados em crises". Mostra nosso grau de credibilidade. Não podemos esquecer que temos polícias capazes. Nós não deveríamos entrar na seara deles. Devemos nos preservar."
Perguntado sobre a natureza dessa preservação, o general dá uma resposta escorregadia. "Sempre é uma situação de risco para a imagem. Mas se houver necessidade, não podemos ter medo. A imagem não pode ficar subordinada à inoperância, mas a gente sabe que sempre é uma situação de risco", diz.
A preocupação cresceu dentro do Exército com a morte de um professor que havia, segundo os relatos, furado um bloqueio militar. Pereira defende a ação dos soldados, dizendo que ""aquilo não é problema do Exército" e sim da circunstância.
"É lamentável a morte, e ela está sendo apurada. Mas não se sabia quem estava no carro, era noite, o clima era tenso. Aí perguntam por que não atiraram nos pneus. Qualquer um que já teve um fuzil nas mãos sabe que ao atirar num alvo em movimento, à noite, é muito difícil visar um pneu, é coisa cinematográfica."
O Exército não planeja criar unidades especializadas nessas missões, até porque o art. 142 da Constituição deixa claro que policiamento é missão das polícias.
Na formação dos soldados, há um curso de manutenção da lei e da ordem. Mas o problema é que isso é para situações de exceção, não de normalidade. ""O estado de exceção é previsto na Constituição. Só que aí você tem uma série de direitos cerceados, você tem uma outra liberdade de atuação que muda as características da operação", diz o militar.
Há implicações mais práticas da operação no Rio. A incorporação anual de recrutas -7.500 no Estado do Rio- começou anteontem. ""É uma época ruim, ingrata para nós. Os instrutores dos novos recrutas estão na rua, e há prejuízo na incorporação", afirma.

Desvio de armas
O general também afirma que o desvio de armas consideradas de uso restrito ou exclusivo das Forças Armadas é menor do que se pensa. Em 2002, apenas três pistolas de 9 mm foram furtadas ou roubadas na área do Comando Militar do Leste, que compreende o Rio de Janeiro. No país todo, foram dez pistolas deste tipo, três fuzis, uma pistola 380, um revólver 38 e uma metralhadora de 9 mm. Neste ano, até agora houve o furto de uma pistola 9 mm na área do Comando Militar do Sul.
Os números contrastam com as apreensões policiais e o noticiário, que citam as tais ""armas restritas". Segundo o Comando do Exército, a maioria dos casos deve-se a contrabando.
A lei define como uso restrito, por exemplo, armas de fogo de cano curto cuja munição tenha, no disparo, alta energia ou fuzis de longo alcance. Como exceção, há rifles de caça registrados em clubes de tiro.
No caso do roubo e furto de munições, em 2002 houve um caso grande no Rio, com 1.021 cartuchos de 7,62 mm extraviados. Em 2001, foram 128 cartuchos. Neste ano, já foram roubados ou furtados 795 cartuchos, do Comando Militar da Amazônia.


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