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Padre mostra carteira da CNBB, dinheiro e bilhete de volta, mas é barrado em Madri
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Dentro da escalada de denegações de ingressos de brasileiros em seu território, a Espanha, um dos maiores países católicos do mundo, não poupou
nem mesmo um clérigo. Deportou-o de volta ao Brasil.
De nada adiantou o padre Jeferson Flavio Mengali, 34,
apresentar à polícia de fronteira, no aeroporto de Barajas, em
Madri, sua carteira de padre,
documento de identidade expedido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), onde aparece com a clégima (colarinho típico dos pastores católicos); nem a passagem
de volta; nem os 800 euros mais
US$ 300 dólares (total de R$
2.673,15); nem os três cartões
de crédito internacionais. Nem
o endereço do padre Claudio
Francisco de Oliveira, na igreja
de São José, que o acolheria em
sua estadia madrilenha. Nem o
telefone da igreja.
No passaporte brasileiro do
padre Jeferson, agora, vê-se um
carimbo de ingresso na Comunidade Européia, com um risco
forte, feito a mão. Denegado. "É
uma mácula e eu temo que isso
me prejudique mais tarde", diz.
O padre Jeferson, diocesano
de Bragança Paulista, 85 km de
São Paulo, chegou à Espanha
no dia 10 de janeiro às 7h. Às
24h, foi enfiado no chiqueirinho de um camburão da polícia
em companhia de outros três
brasileiros também deportados
e levado para a porta dos fundos de um avião da Iberia com
destino a São Paulo.
Teve de esperar todos os passageiros embarcarem, para, então, ser retirado do carro policial com os demais e caminhar
sob escolta até o avião, onde o
entregaram ao comandante.
"Fomos tratados como perigosos criminosos", lembra ele.
Uma das maiores ofensas "não
ao padre, mas ao ser humano",
diz, já tinha acontecido.
Foi quando, logo na chegada
a Madri, revistada a bagagem
de mão do padre, encontraram-se uma túnica branca comprida
e uma estola dourada, bordada
com a estampa de Nossa Senhora Aparecida.
"Fantasia de Carnaval"
Diante dos trajes litúrgicos,
um dos policiais perguntou:
"Que é isso?", ao que outro sugeriu: "Fantasia de Carnaval?"
Mengali explicou que tinha
levado as peças porque fora
convidado a participar da cerimônia de ordenação de um padre conhecido, que se tornaria
bispo. E fizera questão de levar
a estola bordada com a imagem
da padroeira do Brasil, em homenagem ao colega. "Foi um
desrespeito enorme", diz.
A túnica branca, a estola, o
celular e os pertences pessoais
do padre foram-lhe tomados e
ele, após cinco horas sem explicações sobre o que ocorria, foi
levado para o outro lado do aeroporto, onde ficam os deportáveis, e onde pôde, pela primeira vez, ligar para os pais
(que moram em São Paulo) e
para o colega que o hospedaria
na Espanha. "Durante todo o
tempo de reclusão, não dormi,
não comi, não pude escovar os
dentes. Estava aflito."
Primeira vez
O brasileiro nunca esteve na
Europa -seria sua primeira
vez. O convite para a viagem
veio do padre Claudio, que,
também brasileiro, está na Espanha, cursando o doutorado
na Universidade de Comillas,
instituição de padres jesuítas.
O padre Claudio estava no
aeroporto esperando pelo colega. Passou horas no local e, ao
ser avisado de que o compatriota estava detido, procurou as
autoridades do clero espanhol,
falou com um bispo de Madri,
"tentou de tudo". Em vão.
Fanático por futebol, o padre
Jeferson já tinha comprado ingresso para assistir ao jogo do
Real Madrid contra o Atlético
de Madri, no dia 20 de janeiro.
A volta ao Brasil estava prevista
para o dia 25 de janeiro. Perdeu
o jogo. Perdeu as férias. Perdeu
os US$ 998 (R$ 1.680,63) das
passagens. Perdeu a vontade de
conhecer a Espanha.
Seu passaporte, agora, tem o
registro da rejeição. "É uma
mácula e eu temo que isso me
prejudique mais tarde", diz o
padre, que tem uma viagem já
marcada para a Itália em maio.
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