São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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Padre mostra carteira da CNBB, dinheiro e bilhete de volta, mas é barrado em Madri

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Dentro da escalada de denegações de ingressos de brasileiros em seu território, a Espanha, um dos maiores países católicos do mundo, não poupou nem mesmo um clérigo. Deportou-o de volta ao Brasil.
De nada adiantou o padre Jeferson Flavio Mengali, 34, apresentar à polícia de fronteira, no aeroporto de Barajas, em Madri, sua carteira de padre, documento de identidade expedido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), onde aparece com a clégima (colarinho típico dos pastores católicos); nem a passagem de volta; nem os 800 euros mais US$ 300 dólares (total de R$ 2.673,15); nem os três cartões de crédito internacionais. Nem o endereço do padre Claudio Francisco de Oliveira, na igreja de São José, que o acolheria em sua estadia madrilenha. Nem o telefone da igreja.
No passaporte brasileiro do padre Jeferson, agora, vê-se um carimbo de ingresso na Comunidade Européia, com um risco forte, feito a mão. Denegado. "É uma mácula e eu temo que isso me prejudique mais tarde", diz.
O padre Jeferson, diocesano de Bragança Paulista, 85 km de São Paulo, chegou à Espanha no dia 10 de janeiro às 7h. Às 24h, foi enfiado no chiqueirinho de um camburão da polícia em companhia de outros três brasileiros também deportados e levado para a porta dos fundos de um avião da Iberia com destino a São Paulo.
Teve de esperar todos os passageiros embarcarem, para, então, ser retirado do carro policial com os demais e caminhar sob escolta até o avião, onde o entregaram ao comandante. "Fomos tratados como perigosos criminosos", lembra ele. Uma das maiores ofensas "não ao padre, mas ao ser humano", diz, já tinha acontecido.
Foi quando, logo na chegada a Madri, revistada a bagagem de mão do padre, encontraram-se uma túnica branca comprida e uma estola dourada, bordada com a estampa de Nossa Senhora Aparecida.

"Fantasia de Carnaval"
Diante dos trajes litúrgicos, um dos policiais perguntou: "Que é isso?", ao que outro sugeriu: "Fantasia de Carnaval?"
Mengali explicou que tinha levado as peças porque fora convidado a participar da cerimônia de ordenação de um padre conhecido, que se tornaria bispo. E fizera questão de levar a estola bordada com a imagem da padroeira do Brasil, em homenagem ao colega. "Foi um desrespeito enorme", diz.
A túnica branca, a estola, o celular e os pertences pessoais do padre foram-lhe tomados e ele, após cinco horas sem explicações sobre o que ocorria, foi levado para o outro lado do aeroporto, onde ficam os deportáveis, e onde pôde, pela primeira vez, ligar para os pais (que moram em São Paulo) e para o colega que o hospedaria na Espanha. "Durante todo o tempo de reclusão, não dormi, não comi, não pude escovar os dentes. Estava aflito."

Primeira vez
O brasileiro nunca esteve na Europa -seria sua primeira vez. O convite para a viagem veio do padre Claudio, que, também brasileiro, está na Espanha, cursando o doutorado na Universidade de Comillas, instituição de padres jesuítas.
O padre Claudio estava no aeroporto esperando pelo colega. Passou horas no local e, ao ser avisado de que o compatriota estava detido, procurou as autoridades do clero espanhol, falou com um bispo de Madri, "tentou de tudo". Em vão.
Fanático por futebol, o padre Jeferson já tinha comprado ingresso para assistir ao jogo do Real Madrid contra o Atlético de Madri, no dia 20 de janeiro. A volta ao Brasil estava prevista para o dia 25 de janeiro. Perdeu o jogo. Perdeu as férias. Perdeu os US$ 998 (R$ 1.680,63) das passagens. Perdeu a vontade de conhecer a Espanha.
Seu passaporte, agora, tem o registro da rejeição. "É uma mácula e eu temo que isso me prejudique mais tarde", diz o padre, que tem uma viagem já marcada para a Itália em maio.


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