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BATICUM
RUY CASTRO
De um jeito ou de outro, será sempre Carnaval
O CARNAVAL de hoje não é
mais o dos meus dez anos, em
que meu pai me punha um
lança-perfume na mão e me
deixava na porta do baile infantil, fantasiado de Zorro.
Nem o dos meus 20 anos, já
como repórter, cobrindo o baile do Quitandinha para a
"Manchete". Nem o dos meus
30, 40, 50 ou 60.
A cada década, novidades
se incorporaram, nem todas
do meu agrado. Nem por isso
o Carnaval deixou de acontecer, para gáudio das gerações
que o adotaram como seu e
que também não devem ter
gostado das novidades que se
incorporaram. O Carnaval
muda. Mas, em seus 300 anos
de história só no Rio, "puro" e
inocente ele nunca foi.
Nos séculos 18 e 19, consistia em molhar e humilhar as
pessoas. Aos poucos, a agressividade foi dando lugar à alegria, à dança e a uma quase libertinagem. E, desde sempre,
submeteu-se ao comércio. Por
que, em 1906, surgiu o Carnaval do confete, da serpentina e
do lança-perfume? Porque firmas brasileiras resolveram
importá-los da França.
Não temos mais as marchinhas? Mas só as tivemos por
pouco mais de 30 anos, de
1930 a meados dos anos 60.
Significa que, antes de 1930,
não tínhamos Carnaval? E como era a música de Carnaval
antes delas? Era a que se cantava no resto do ano. Isso quer
dizer que as marchinhas nos
foram impostas pela Victor e
pela Odeon, gravadoras estrangeiras que começavam a
se instalar aqui?
E quem inventou o concurso
das escolas? Os negros que
"desceram dos morros"? Não.
Foram os jornalistas, aliados
dos foliões e que, desde o século 19, viam no Carnaval uma
forma de vender jornal. Mas só
em 1932 Mario Filho teve a
ideia de criar um desfile oficial.
Sim, hoje o desfile das escolas está mais para um grande
teatro a céu aberto, e o apelo
visual esmaga a qualidade
musical -não que essa fosse
uma característica das escolas. Mas, há mais de 40 anos,
acontece a mesma coisa na
Broadway, em Nova York: os
efeitos especiais para turistas
sufocaram a produção de
grandes melodias. Aliás, nenhum país produz hoje grandes melodias -todos continuam a cantar as velhas.
Mesmo assim, na Sapucaí,
às vezes se assiste a grande
samba no pé, como o dos passistas mirins da Portela, o
show da bateria da Imperatriz
e o possante samba que pontuou ritmicamente as loucuras
de Paulo Barros na Unidos da
Tijuca, na noite de domingo.
Noite que viu também a
presença de Paulinho da Viola
na avenida e a estreia do rubro-negro Ronaldinho Carioca (ex-Gaúcho, desfilando de
graça por Portela e Mangueira) e de Gisele Bündchen (pela
Vila Isabel, mas provavelmente patrocinada por um fabricante de xampu).
Um dia, talvez, as escolas
troquem de vez seus passistas
por trapezistas e seus diretores
de harmonia por engenheiros
hidráulicos. Mas, gostemos ou
não, ainda será Carnaval.
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