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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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EDUCAÇÃO

Segundo educadores, é necessário tratar de forma diferenciada as crianças de seis anos que entram no sistema

Aluno pode ser prejudicado, diz especialista

DA REPORTAGEM LOCAL

DA SUCURSAL DO RIO

A ampliação do ensino fundamental para nove anos pode trazer prejuízos para a criança caso as escolas não tratem de forma diferenciada os alunos que passarão a entrar aos seis anos de idade no sistema, segundo educadores e médicos ouvidos pela Folha.
De acordo com a orientação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o ensino fundamental recebe, em tese, alunos a partir dos seis anos de idade. No entanto, segundo o Censo 2000 do IBGE, 17% das crianças de cinco e seis anos -de um total de 4,9 milhões nessa faixa etária- que estudavam em 2000 já estavam matriculadas no ensino fundamental, em vez de estarem em escolas de educação infantil, direcionadas a alunos de zero a seis anos.
A educadora Elvira de Souza Lima, pesquisadora e consultora internacional de educação, muitas prefeituras no Brasil estão aceitando crianças que completam seis anos nos meses de junho ou dezembro do ano letivo.
Isso faz com que crianças de cinco anos dividam a mesma sala com alunos de seis e sete anos. "Essas crianças estão em fases diferentes do desenvolvimento motor e emocional", diz o pediatra Pedro Paulo do Amaral Correa.
Aos cinco anos, por exemplo, as crianças não estão com a fala totalmente desenvolvida e mal aprenderam a segurar os talheres. Já as de sete anos têm domínio total dessas habilidades. As de cinco ou de seis anos também adoram pular, imitar as pessoas, brincadeiras que as crianças de sete anos, em geral, já deixaram para trás. "Elas podem virar motivo de chacotas dos alunos maiores."
As sequelas emocionais dessas brincadeiras, segundo Correa, são imprevisíveis. Dependem das características individuais de cada criança e de como os pais as acolhem. O risco, afirma o pediatra, é que esses alunos se sintam fracassados e desistam de se aventurar em novas atividades.
O despreparo dos professores, que não têm treinamento em educação infantil, é um outro fator preocupante. Para Elvira Lima, é preciso que o MEC dê a essas crianças acesso a uma educação adequada, que respeite os seus limites físicos e emocionais. "A criança tem que ser tratada de acordo com a idade dela."

Repetência
Outro alerta dos especialistas é que a entrada aos seis anos de idade no sistema de ensino fundamental pode jogar a criança precocemente no ciclo nocivo da repetência no Brasil. Dados do Ministério da Educação mostram que, em 2000, a taxa de repetência na 1ª série do fundamental era de 36,2%, índice superior ao verificado em todas as demais séries.
Além de correr o risco de enfrentar a repetência, a criança de seis anos pode também não se adaptar ao sistema formal do ensino. "A idéia [de ampliar o ensino fundamental] é muito boa. Os países mais avançados já fazem isso. Aos seis anos, a criança vive uma etapa de transição muito forte e começa a construir os rudimentos de um raciocínio mais abstrato, algo que não fazia até cinco anos", afirma Regina de Assis, especialista em educação infantil e ex-secretária de Educação do município do Rio.
A educadora explica que essa fase é favorável ao desenvolvimento cognitivo, em que a criança passa a ter mais facilidade para lidar com a linguagem, a escrita, a leitura e a interpretação. Ela também começa a entender os mecanismos das operações matemáticas.
Ela faz um alerta, no entanto, de que todo esse potencial pode ser subaproveitado ou desperdiçado caso a escola não respeite os limites da idade do aluno.
Para a pesquisadora Fulvia Rosemberg, da Fundação Carlos Chagas e da PUC-SP, municípios que já recebem crianças de seis anos no ensino fundamental estão registrando um alto índice de reprovação na 1ª série.

Velhas aspirações
Na opinião de Hélio Bizzo, vice-diretor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), a ampliação vem ao encontro de velhas aspirações dos educadores, mas precisa ser bem estruturada. É fundamental, segundo ele, que haja investimento na formação docente -inicial e continuada- tanto no ensino fundamental quanto no médio.
Ele afirma que hoje há dois grandes funis no ensino fundamental, a 1ª série e a passagem para a 5ª série, que emperram o fluxo escolar. "São períodos em que as crianças sofrem com as mudanças e repetem de ano. É um grande choque. Isso precisa ser quebrado", afirma.
Para ele, as experiências de transformar o ensino fundamental em três ciclos de três anos têm surtido bons resultados no desempenho escolar.
No ensino médio, segundo ele, o problema é outro: há problemas de acesso, em razão da grande demanda, e falta de professores qualificados, o que repercurte negativamente no aprendizado do aluno. (CLÁUDIA COLLUCCI E ANTONIO GÓIS)


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