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DANUZA LEÃO
A raiva constrói
A depressão nos leva para a cama e tira a vontade das coisas mais banais, como tomar banho, comer, ler
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QUANDO alguém nos magoa e
nos faz sofrer, o que acontece? Ou se sofre, o que em
grande parte das vezes termina em
depressão, ou se fica com muita raiva, o que é bem melhor. Mas a raiva
-foi o que nos ensinaram- é um
sentimento feio, baixo, que pessoas
superiores não devem ter. Mas vamos discordar: uma boa raiva com
motivos é saudável, e faz muito bem
à pele, ao coração e à alma, além de
evitar o infarto. E quem está querendo ser superior?
Conseguir ter raiva é excelente
para a saúde física e mental; a depressão nos leva para a cama e tira a
vontade das coisas mais banais, como tomar banho, passar uma escova
no cabelo, comer, ler, quem não sabe? Já a raiva faz com que se façam
coisas, mesmo que sejam coisas erradas. Na depressão você não se levanta nem para ir a um cabeleireiro;
já na hora da raiva você pinta o cabelo de vermelho, o que é muito melhor do que ficar prostrada olhando
para o teto.
Exemplos são sempre ótimos: se
uma mulher é abandonada por um
homem, entre a tristeza e o ódio, o
que é melhor? O ódio, claro. Por raiva e ódio as pessoas querem e devem
mostrar que não é qualquer coisa
que as derrubam.
A primeira providência de uma
mulher (saudável) com raiva é pensar: "Como é que vou me vingar?"
Em primeiro lugar, mostrando que
não está sofrendo. Para isso é preciso estar na sua melhor forma, razão
mais do que suficiente para perder
aqueles três quilinhos, comprar um
vestido novo, pegar um sol, aposentar definitivamente o uniforme tênis e jeans e voltar a usar um bom
salto alto. Parece bobagem? Pois
não é. Dificilmente você vai ver uma
mulher se equilibrando num salto
oito com depressão. De salto, automaticamente se encolhe a barriga,
se levanta o queixo, e os ombros ficam na posição certa, como se desafiasse o mundo. Se cruzar com ele,
não é melhor estar maravilhosa do
que arrasada?
Uma coisa leva a outra: por sentimentos nobres como o amor próprio, o orgulho, a vaidade e a raiva,
não se deixa a peteca cair -em público, pelo menos-, e com isso vem
o hábito de não deixar a peteca cair
nunca, a não ser no divã do analista.
Pense um pouco: se você é normal,
deve ter raiva de alguém. O que deve
fazer para irritar esses alguéns? Ficar linda, maravilhosa, ter sucesso,
ser vista sorrindo, vibrando, enfim,
ser feliz.
Digamos que você seja uma desenhista de moda e que esteja sem a
menor inspiração. Faz o quê? Pensa
numa pessoa que detesta e imagina
a glória de fazer um trabalho elogiado, que faça com que você se torne a
melhor de todas. Só de pensar nesse
delicioso prazer, é capaz de baixar
em você o espírito de Balenciaga e o
trabalho fluir fácil, só de raiva.
Quando for ao jornaleiro da esquina, pense que pode se encontrar
com ele -aquele que fez você sofrer
tanto-, e é claro que vai se realçar
antes de descer. Se acontecer, não
vai ser ma-ra-vi-lho-so ele ver como
você está muito mais linda agora,
sem ele? Deve estar sendo muito
bem tratada, ele vai pensar. E pode
ser ainda melhor: encontrar na esquina outro que te faça feliz para
sempre por uns tempos -ou não?
Por isso, querida, quando vier
aquela raiva cega, aquela vontade de
gritar, de xingar, de matar, transforme toda essa energia a seu favor. Assim como o amor constrói para a
eternidade, a raiva pode construir a
prazo bem mais curto -e de superior e inferior, afinal, todos nós temos um pouco.
Uma delícia, ter uma boa raiva; e
sobretudo, muito construtivo.
danuza.leao@uol.com.br
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