São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2011

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BARBARA GANCIA

Explode bueirão


Deve ser um bordel subterrâneo desencapado, não é à toa que as tampas voam feito frisbees

"E EU COM A LIGHT?" A frase é milenar, foi muito usada pelos antigos egípcios quando ocorriam apagões nas pirâmides e agora ganha novo significado com as explosões dos bueiros cariocas.
Foram três em um mesmo dia desta semana, em Copacabana, Laranjeiras e no centro. Inveja da pacata Trípoli, não?
Impressionante como o brasileiro sempre se remexe todo. A base de lançamento de Alcântara sucumbiu nas chamas da tragédia, mas ganhamos 18 lançamentos de bocas de lobo com a entrada em órbita de um igual número de tampas.
Vamos e venhamos, 18 explosões em 12 meses é um bocado de espedaçar, o tipo de ocorrência capaz de marcar a reputação de uma cidade. Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa; o Rio da Tragédia da Candelária e, agora, Rio de Janeiro, Explode Bueirão. De cartão-postal em cartão-postal e a Copa chegando com a Olimpíada vindo a reboque.
Na base do susto, labaredas gigantes surgem de dentro da tubulação e lambem quem por ventura estiver passando na calçada. Só falta a dona Redonda explodir no pôr-do-sol do Arpoador. Garcia Márquez deveria escrever a respeito. E fazer o lançamento do livro no cemitério do Caju. De onde a tampa do caixão de Wilza Carla decolaria para o céu junto com o topete acrílico do Eike Batista. O espetáculo culminaria com a entrada da Mangueira em meio a um mar de papel picado simulando o fogo que vem do bueiro bravo. Haja peão para sossegar o indomável subsolo.
Quero ver Kelly Slater surfando tampa voadora de bueiro, quero ver o governador Cabral e o ministro dos Esportes, Orlando Silva, organizar a Olimpíada em meio a essa zorra total. Tem gente dizendo que é coisa fabricada, que a explosão dos bueiros é uma sabotagem muito bem elaborada, algo semelhante ao que ocorreu no zoológico de São Paulo, em que os animais começaram a morrer um atrás do outro, lembra? Coitadinho do casal de elefantes, até hoje prefiro computar como realismo fantástico.
As explosões em série têm também um "je ne sais quoi" de "Tintim No País do Ouro Negro", em que tudo que é movido a gasolina explode de repente. Mas a gente sente o cheiro de enxofre da tramoia e da negligência no ar, não sente?
Algo nos dá como certo que, por anos, trataram de enfiar lá no mesmo buraquinho cano, fio, fibra ótica, papel higiênico, supercondutor, esgoto, fita durex, tubos e conexões marca gato. Deve ser um bordel subterrâneo desencapado, não é à toa que as tampas voam feito frisbees.
Outro dia, minha tresloucada amiga Bucicleide estava no Pão de Açúcar da Barra na fila dos frios quando ouviu a senhora na frente dizer ao filho: "Não vamos pedir queijo aqui. Vamos comprar na padaria da esquina que lá eu peço com chorinho". Cuma?
Buci, digo, Cleide, que é carioca, ficou indignada. "Você sabe, Barbarica, que eu já vi de tudo na vida". Sei sim, Buci. Imagino que até enterro de anão.
"Mas comprar queijo como quem pede um uísque no Antonio's é muita pobreza de espírito", sentenciou. "Quantas fatias de queijo prato a mulher queria levar a mais? Duas? É muita indigência carioca."
Esta é a Bucicleide que aprendemos a amar. Com uma generalização extravagante consegue enxovalhar a reputação de uma cidade inteira. Numa coisa, porém, ela está certa: o Rio precisa urgentemente sacudir a decadência dos ombros e assumir seu lugar ao sol.

barbara@uol.com.br

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@barbaragancia


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