São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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SAÚDE

Pesquisa com 400 crianças concluiu que as expostas a animais de estimação tiveram a metade das chances de se tornar alérgicas

Estudo diz que cão pode evitar alergia

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Permitir ou não que os filhos convivam com cães e gatos é uma dúvida que atormenta a vida de muitos pais. O senso comum diria que os pêlos dos animais podem causar alergias, mas um estudo publicado no "Jornal da Associação Médica Americana" mostra que a história não é bem assim.
Um grupo de pesquisadores analisou 400 crianças durante sete anos e descobriu que aquelas que estiveram expostas a dois ou mais animais de estimação tiveram a metade das chances de se tornarem alérgicas.
Reações alérgicas são causadas quando um anticorpo chamado imunoglobulina-E se associa a uma célula sanguínea chamada célula-mestre. Ao se ligar ao anticorpo, a célula-mestre libera substâncias químicas que causam as inflamações.
Há pelo menos mais quatro estudos recentes sugerindo que o convívio nos primeiros anos de vida com cães e gatos possa permitir que o corpo construa defesas contra os agentes capazes de produzir alergia (alergênios).
Mas atenção: os pediatras aconselham os pais a manterem as crianças que já são alérgicas longe do convívio desses animais para evitar o agravamento dos sintomas da inflamação.
Em entrevista à Folha, o cientista que liderou o estudo americano, Dennis Ownby, da Faculdade de Medicina da Geórgia (EUA), disse acreditar que as endotoxinas (toxina encontrada no interior da célula bacteriana) encontradas na boca de um cachorro ou de um gato possam ter uma influência positiva no sistema imunológico da criança.
Ele afirma que a saliva, as fezes e a urina de cães e gatos transferem muitas bactérias do tipo gram-negativo e isso pode mudar a forma como o sistema imunológico da criança reage a essas bactérias, ajudando a protegê-la contra as alergias.
Para Ownby, os resultados do estudo estão de acordo com o que os médicos chamam de "hipótese da higiene". A tese é que o sistema imunológico de pessoas que crescem em um ambiente limpo demais, sem contaminantes ambientais, pode reagir em excesso quando se depara com substâncias que provocam alergia.
Segundo Charles Naspitz, 66, presidente do Departamento de Alergia e Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), essa tese não se aplica ao Brasil porque a maioria da população vive em condições de higiene precárias e nem por isso está livre de alergias.
Segundo Naspitz, um estudo feito há três anos com 30 mil estudantes brasileiros mostrou que 20% deles eram alérgicos. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de países com maior prevalência de doenças alérgicas, perdendo para o Reino Unido, a Austrália, a Nova Zelândia e os EUA.
Naspitz diz que o estudo, que envolveu 60 países, revelou ainda que nos últimos 30 anos houve um aumento na prevalência de asma. Uma das hipóteses para explicar esse aumento seria a do excesso de higiene.
Segundo Luisa Karla de Paula Arruda, 43, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, é preciso analisar a pesquisa com cautela. Ela diz que ainda não é possível afirmar se o efeito protetor das alergias é realmente originado das endotoxinas encontradas nos animais.
Charles Naspitz lembra que, para que seja desencadeada uma reação alérgica, é preciso que a pessoa tenha uma carga genética que possibilite isso.
"O animal pode, em tese, proteger a maioria dos indivíduos, mas não posso dizer que isso vá acontecer para o indivíduo A ou B. Na maioria dos casos, é provável que a exposição tenha efeito protetor, mas essa proteção não é de 100%. Uma parte pode se sensibilizar."
Para a pediatra Maria Regina Guillaumon, desde que não interfira no desenvolvimento e no crescimento das crianças, a presença de um bicho de estimação é benéfica.
Segundo o veterinário Renato Miracca, 36, o estudo deve provocar muitos questionamentos. "Às vezes o cão é retirado sumariamente de casa, mas a reação alérgica pode estar sendo causada por outros fatores, como o cigarro e a poeira do ambiente", diz.



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